Projetos de Lei em tramitação ameaçam áreas de preservação permanente em cidades brasileiras, alerta especialista em Direito Ambiental
PL 2.510/2019 e PL 1.869/2021 colocam em risco áreas verdes como entorno de rios urbanos que protegem das enchentes
Por Vinícius Nunes Alves*
Um dos elementos mais importantes do Código Florestal Brasileiro (Lei Federal nº 12.651 de 2012) é a delimitação das Áreas de Preservação Permanente ou, simplesmente, APPs. Estas são regiões e ecossistemas frágeis e que são fundamentais para conservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e/ou a biodiversidade. Como exemplos de APPs, tem-se matas ciliares, topos de morro e veredas.
Os PL 2.510/2019 (Câmara dos Deputados) e PL 1.869/2021 (Senado), que estão tramitando no Congresso Nacional, priorizam interesses econômicos de ocupação das APPs no meio urbano, aumentando o risco de tragédias como enchentes e deslizamentos de terra, alerta a Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA). Andréa Struchel que é advogada, mestre em Urbanismo e diretora de Licenciamento Ambiental da Secretaria do Verde de Campinas-SP, explica que: “desde a versão do Código Florestal de 1965, as Áreas de Preservação Permanente (APP) são protegidas, principalmente por serem estratégicas para a segurança da população e para o desenvolvimento equilibrado e sustentável das cidades”. Na contramão disso, “os Projetos de Lei consistem em mais uma tentativa de retrocesso ambiental para o Brasil”, pondera Andréa.
Em entrevista exclusiva, Andréa esclarece informações importantes sobre esses Projetos de Lei (PLs).
Os Projetos de Lei não vão apenas na contramão do Código Florestal, mas também da Constituição Federal de 1988, que no capítulo VI, garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-o bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Andréa, quem é que está propondo o PL 2.510/2019 e o PL 1.869/2021? Em qual situação de votação se encontram esses PLs no Congresso Nacional?
O plenário da Câmara dos Deputados que já havia aprovado o regime de urgência na tramitação do PL 2.510/2019, de autoria do Deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), aprovou no dia 25 de agosto, por 314 votos a favor e 140 contra esse retrocesso desmedido as áreas ambientais urbanas. Infelizmente, na mesma esteira segue para votação no Senado o PL 1.869/2021, de autoria do Senador Jorginho Mello (PL-SC).
Quais são os principais retrocessos desses Projetos de Lei?
O PL 2510/19 pretende atribuir competência a planos diretores e a leis de uso do solo para definir os limites de APPs em zonas urbanas, afastando a aplicação da regra nacional para o espaço urbano. Imaginem um recurso hídrico que passa por várias cidades; Em um delas terá metragem de APP correspondente a 5 metros, outra, 15 metros e outra de 30 metros, ao sabor da legislação local. Considerando que recursos ambientais como ar (bacia aérea) e água (bacia hidrográfica) são transfronteiriços, não tem sentido afastá-los de uma norma nacional e coloca-los no “varejo” dos interesses locais.
Qual interesse econômico predomina e pressiona a ocupação de APPs do meio urbano?
O interesse econômico se resume ao aproveitamento máximo da propriedade, afastando o cumprimento da sua função social e ambiental, preconizada nos artigos 186 e 225 da Constituição Federal, bem como no Estatuto da Cidade e Estatuto da Metrópole.
No dia 9 de agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU divulgou relatório com previsões alarmantes, dentre elas, as secas no Sudeste do Brasil e o aumento de 1,5 ºC na temperatura da Terra. Enquanto isso, políticos brasileiros tentam dar mais um passo para trás na legislação ambiental, ameaçando as matas ciliares no meio urbano. Pode comentar sobre isso?
O relatório demonstra que a influência humana (antrópica) no aquecimento do planeta é inequívoca e que essa influência está aumentando a frequência de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, fortes chuvas e secas duradouras. É fato que a atual crise hídrica está afetando o abastecimento público de muitas cidades. É fato também que o Brasil perdeu, nas últimas décadas, aproximadamente 15,7% da superfície de água que possuía. Proteger as matas ciliares, para além de outras funções ecológicas e sociais, é proteger as águas! Não é apenas a natureza (biodiversidade, fluxo gênico da fauna e flora, qualidade do ar, proteção do solo) que sofrerá com essa perda incalculável. Serão afetadas também as cidades e a qualidade de vida dos seus habitantes, seja pela falta de água e de espaços verdes, seja pelo aumento da temperatura, bem coo no aumento das enchentes e dos desbarrancamentos. Se esses retrocessos forem aprovados, o futuro reserva rios desprotegidos nas cidades brasileiras.
*Vinícius Nunes Alves é licenciado e bacharel em Ciências Biológicas – IBB/UNESP. Mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais – Inbio/UFU. Especialista em Jornalismo Científico – Labjor/UNICAMP. É membro colaborador do Blog Natureza Crítica – divulgação científica em meio ambiente. Professor Escolar da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.