Estudo da Unesp de Botucatu usa tecnologia de imagens para avaliar sementes de amendoim
Artigo sobre trabalho é publicado na Frontiers in Plant Science
Da Redação
Um estudo desenvolvido pela Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Unesp, câmpus de Botucatu, com a colaboração do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da USP, que utiliza tecnologias de imagem para a análise da qualidade das sementes, foi publicado na edição de abril de 2022 da revista Frontiers in Plant Science, uma das revistas científicas mais importantes do mundo na área de ciência de plantas.
O artigo, intitulado “An approach using emerging optical technologies and artificial intelligence brings new markers to evaluate peanut seed quality”, é parte da tese de doutorado que Gustavo Roberto Fonseca de Oliveira desenvolve junto ao Programa de Pós-graduação em Agronomia – Agricultura da FCA, sob orientação do professor Edvaldo Aparecido Amaral da Silva.
Gustavo é engenheiro agrônomo graduado pela Faculdade de Engenharia da Unesp, câmpus de Ilha Solteira, onde iniciou seus estudos na área de sementes sob a orientação do professor Marco Eustáquio de Sá. Desde então, fez treinamentos no Laboratório de Sementes da Embrapa Soja, sob a supervisão do pesquisador Francisco Carlos Krzyzanowski, e mestrado em Ciências na Esalq/USP, na área de Fitotecnia, sob a orientação do professor Silvio Moure Cicero, onde teve a oportunidade de estudar tecnologias de imagem para análise da qualidade de sementes junto ao Laboratório de Análise de Imagens. Seus trabalhos incluíram estudos com sementes de feijão e soja.
No doutorado, Gustavo buscou inicialmente atender a uma demanda importante da cadeia produtiva do amendoim: reunir estratégias para melhorar e dinamizar a forma de determinar a qualidade das sementes. “Nem sempre as sementes de amendoim conseguem atingir 70% de germinação, que é exigência estabelecida pelo Ministério da Agricultura para sua comercialização. Isso afeta diretamente os produtores do Estado de São Paulo, que responde por cerca de 90% da produção brasileira de amendoim. Os testes de germinação e vigor que são feitos atualmente levam cerca de cinco a dez dias para chegarem aos resultados”, comenta. “Por isso, resolvemos analisar a qualidade das sementes de amendoim por meio de imagens multiespectrais, ou seja, usando as propriedades da luz em diferentes comprimentos de onda, para analisar características das sementes que estão relacionadas à sua capacidade de germinação”.
Utilizando um equipamento denominado VideometerLab, que produz imagens multiespectrais nas faixas do ultravioleta, visível e infravermelho próximo (NIR), foi possível acessar o potencial de lotes de sementes de amendoim em tempo real, de maneira altamente precisa e sem a necessidade de destruir as sementes analisadas. A tecnologia forneceu informações sobre as propriedades físicas da semente como área, comprimento, largura e brilho do tegumento, além de dados sobre os pigmentos (fluorescência de clorofilas e índice de antocianinas), e a reflectância da luz em lotes de sementes com diferentes níveis de vigor. “Parâmetros como brilho do tegumento, fluorescência de clorofilas e reflectância não são mensuráveis a olho nu. A partir das abordagens utilizadas é possível ampliar a nossa capacidade sensorial para fundamentar as decisões quanto a diferenciação dos lotes de sementes de melhor ou pior qualidade, isso com 98% de precisão. É uma ferramenta importante para termos as condições ideais para implantar uma nova lavoura utilizando sementes com alta qualidade fisiológica”.
A tecnologia de imagens multiespectrais tem seu uso documentado para uma série de espécies vegetais, inclusive para obter determinadas informações sobre as sementes. Há exemplos de sua utilização nas culturas de soja, milho, trigo e aveia, dentre outras. O trabalho desenvolvido na FCA em parceria com o CENA, no entanto, é o primeiro feito com amendoim reunindo tal conjunto de abordagens tecnológicas.
A correspondência de alguns dos parâmetros mensurados com a eficiência da germinação das sementes também já era conhecida em algumas espécies vegetais. Sabe-se, por exemplo que uma semente com maiores dimensões (área, espessura e comprimento) terá maior capacidade de germinar e formar plântulas vigorosas. Ao aplicá-los pela primeira vez no estudo com sementes de amendoim por meio das imagens, os pesquisadores da FCA estabeleceram parâmetros inéditos com potencial de serem inseridos nas etapas de beneficiamento. Um outro aspecto inovador é a mensuração da reflectância da luz, definida como a proporção entre o fluxo de radiação eletromagnética incidente numa superfície e o fluxo que é refletido. “A reflectância ocorre quando a luz com comprimento de onda específico tem uma parte absorvida pela semente e uma parte refletida. No caso do amendoim, quanto mais qualidade a semente tem, mais brilho ela terá, e consequentemente mais luz irá refletir”, explica Gustavo.
O mesmo se dá com a observação da fluorescência de clorofilas, a propriedade de certas substâncias de adquirirem luminescência ao serem iluminadas em determinados comprimentos de onda, como conta Gustavo. “Existem compostos fluorescentes nas sementes de amendoim, como é o caso das clorofilas, que têm a capacidade de emitir essa fluorescência que é captada pelo equipamento VideometerLab. Observamos que quanto maior a florescência de clorofilas em sementes de amendoim maduras, melhor a sua qualidade”.
Em outra etapa do estudo, as plântulas das sementes de cada lote foram avaliadas quanto à capacidade fotossintética e índices de estresse. Níveis mais elevados de antocianinas (espécie de pigmento vegetal) foram encontrados nas folhas de plântulas originadas de sementes de baixa qualidade. “Essa informação é promissora, uma vez que o comportamento inicial das mudas refletiu as informações que obtivemos ao analisar a qualidade das sementes”, comenta o autor do trabalho.
Benefícios
O estudo teve início em 2020 e envolveu análise da literatura, testes preliminares, discussões e estudos, experimentos adicionais e a participação importante da pesquisadora Clíssia Mastrangelo e da equipe do CENA/USP. O trabalho também contou com a parceria das cooperativas COPLANA, de Jaboticabal-SP e COPERCANA, de Sertãozinho-SP, produtoras de sementes de amendoim. Os resultados do trabalho atestam a intenção dos pesquisadores e de representantes do setor produtivo em aprimorar a cadeia do amendoim por meio de ciência de qualidade.
A partir dos marcadores de qualidade encontrados na pesquisa, soluções de aperfeiçoamento podem ser pensadas desde a classificação no beneficiamento do amendoim até o controle da qualidade das sementes. Há também, a oportunidade de realizar essas etapas de forma autônoma por meio de modelos de aprendizagem de máquina, utilizando inteligência artificial. “Se essa tecnologia fosse adotada, geraria um volume imenso de dados para serem analisados pelos gestores em meio à correria do dia-a-dia”, explica Gustavo. “Esses marcadores da qualidade de sementes que encontramos têm a vantagem de poder serem identificados por inteligência artificial, usando algoritmos de reconhecimento. Um software próprio pode ser desenvolvido para automatizar todo esse processo de análise e reconhecimento de lotes de sementes com alta qualidade. A associação desses marcadores com inteligência artificial realça o potencial de automação dos processos de pós-colheita integrados com a logística de análise da qualidade das sementes”.
Para o pesquisador, a indústria de sementes e as cooperativas de produtores de amendoim seriam os principais beneficiados pela adoção dessas tecnologias. “Em uma escala comercial, inicialmente seria necessário um investimento de capital para adotar tais tecnologias. No entanto, as amplas aplicações no setor produtivo de sementes podem trazer retornos significativos por meio do aumento da eficiência dos processos pós-colheita com a consequente redução de custos”.
O professor Edvaldo Amaral salienta a relevância do estudo. “Além do amendoim ser um importante produto do agronegócio no Estado de São Paulo, ele é normalmente cultivado em áreas de reforma da cana de açúcar, beneficiando o solo, pela fixação biológica de nitrogênio, para um novo ciclo dessa cultura. Portanto, em paralelo, o amendoim também auxilia na produção de energia renovável no Estado. Pesquisas que buscam agregar tecnologia na cadeia produtiva do amendoim irão gerar benefícios para a agricultura paulista como um todo”. E Gustavo complementa. “A cadeia produtiva do amendoim emprega muita gente e se considerarmos todos os subprodutos que ela gera é um setor muito importante do nosso agronegócio. Além disso, as descobertas do trabalho podem gerar ideias para a gestão da qualidade de sementes de outras espécies cultivadas”.
Gustavo Fonseca conclui reafirmando a importância das pesquisas realizadas com sementes, seja de amendoim ou com outras culturas. “As sementes são um dos maiores patrimônios da atividade agrícola no mundo. Investir em qualidade de sementes é investir no progresso da vida que nos cerca, considerando que é o insumo básico para a produção de alimentos”.
Confira o artigo na íntegra em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpls.2022.849986/full