Empresa também foi obrigada a deixar de efetuar ligações para a pessoa que não era a devedora
Por Rafael Mattos dos Santos*
Sabe aquelas ligações insistentes que recebemos, em diversos horários, que nos tiram o sossego ou acabam atrapalhando nossos afazeres diários, diversas vezes ao dia? Elas podem ser não só um dissabor cotidiano, mas nos afetar de sobremaneira a ponto de serem consideradas indenizáveis!
O dano moral decorre de um fato extraordinário, que afete de sobremaneira a honra, a intimidade, que cause angústia, desgosto, aflição espiritual, ou humilhação à vítima. Este dano é indenizável.
Ao analisar um caso concreto, o julgador deve levar em consideração do que seria apto a afetar um ser humano médio. Daí decorre a diferença entre um mero dissabor, que não é indenizável, de um real dano moral, que é indenizável.
Além disso, uma indenização não só serve como forma de tentar reparar aquilo que é irreparável, mas também como forma de punição para aquele que causou o dano, para que determinada situação não se repita.
Levando em conta isso, existem decisões judiciais que reconhecem o excesso de ligações de call center, como causadora de dano moral e, portanto, indenizável.
Uma delas, julgada recentemente pela 19ª câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, processada sob o nº 1011629-19.2020.8.26.0562, uma empresa de call center que realizou mais de 80 ligações de cobrança à pessoa errada, foi condenada a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$5.000,00.
A relatora da apelação, desembargadora Cláudia Grieco Tabosa Pessoa, considerou que “as inúmeras ligações telefônicas, oriundas de números diversos, provocaram claro constrangimento ao autor, tolhendo sua tranquilidade, em evidente invasão da esfera privada”.
A magistrada ainda escreveu que “Ao reverso do alegado pela ré, no caso sub judice a hipótese extrapolou o exercício regular do direito, consubstanciando efetivo constrangimento ilegal, que não deve ser admitido, impondo-se o dever de indenizar”.
Além dessa condenação, a empresa também foi obrigada a deixar de efetuar ligações para a pessoa que não era a devedora das cobranças, sob pena de aplicação de uma multa diária em caso de descumprimento da ordem judicial.
Em razão deste terceiro ter sido atingido por uma relação de consumo, à ele se aplica as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor.
Neste caso em específico, a pessoa recebia diversas ligações diárias, referente a cobranças de uma dívida que era de um terceiro desconhecido. Provou o fato salvando em imagens a tela de seu celular onde chegou a demonstrar cerca de 80 ligações em um único dia!
O consumidor também provou que enviou diversos e-mails à empresa de call center requerendo o cancelamento das ligações, já que o mesmo não era o devedor, mas nunca foi atendido.
Diante de tal fato devidamente comprovado, a empresa foi condenada a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, além de ser obrigada a deixar de efetuar as ligações para a pessoa que não era o devedor.
Portanto, aquelas ligações insistentes que recebemos, quando extrapolam o limite do bom senso e acabam nos perturbando a ponto de atrapalhar nossa vida diária, causando grande desgosto ou angústia, trazendo algumas vezes até uma situação vexatória, além de limitar o uso de aparelhos telefônicos, podem ser indenizáveis, merecendo atenção à importância de provarmos tal situação.
*Rafael Mattos dos Santos é advogado- OAB/SP 264.006