Compostos do lúpulo têm ação antiviral contra chikungunya e oropouche
As hipóteses para o mecanismo de ação do lúpulo contra chikungunya, segundo a pesquisadora, têm base na lipofilicidade (afinidade química com gorduras) e estrutura química dos acilfloroglucinois, o que confere a esses componentes a capacidade de interagir com algumas proteínas do chikungunya. Tsvetelina cita então o exemplo da nsp1, uma proteína associada à membrana do vírus que está envolvida no encapsulamento do genoma e no complexo de replicação viral. “O fato de uma molécula ter afinidade com a membrana pode afetar diferentes proteínas virais e inibir a replicação do vírus, resultando em um efeito antiviral”, afirma.
A outra hipótese, continua Tsvetelina, tem a ver com a proteína quinase C, uma enzima chave nos processos celulares. A pesquisadora conta que já se sabe que moléculas isoladas de algumas plantas são potentes ativadores da proteína quinase C e que, por similaridade, os compostos do lúpulo também poderiam usar esse mesmo caminho contra o vírus.

Surtos e epidemias espalham arboviroses
Justificativas para procurar formas de amenizar os problemas das arboviroses não faltam. Não somente o Brasil, mas toda a América Latina, Índia, Tailândia e Filipinas sofrem com o que é considerado um grande problema de saúde. Estudo recente publicado pelo Lancet afirma que o vírus chikungunya se espalha, causando epidemias que atingem 50 países das Américas e relatam em torno de 3,7 milhões de casos suspeitos e confirmados da doença. “Mesmo que as condições climáticas na Europa não sejam favoráveis à propagação dos principais vetores, os mosquitos Aedes (Ae. aegypti, Ae. albopictus), houve casos na França, Itália e Romênia entre 2007 e 2010”, acentua Tsvetelina.
No caso do oropouche, Amazonas, Pará e Acre vêm enfrentando surtos de febre oropouche neste início de 2024. Transmitida por um mosquito diferente, o Culicoides paraense, popularmente conhecido como maruim, a doença tem sintomas parecidos com a dengue e a chikungunya, como a febre alta, dor de cabeça, dores nas articulações e calafrios. Também em comum, até o momento nenhuma dessas arboviroses possui medicamento específico, apenas o controle dos sintomas.
Componentes encontrados apenas no lúpulo
De nacionalidade búlgara e atuando há tempos na França, Tsvetelina veio para o seu pós-doutorado na USP de Ribeirão Preto para isolar e testar as atividades biológicas dos metabólitos (produtos do metabolismo de um organismo vivo) do lúpulo. O objetivo inicial era “avaliar a atividade neurológica das substâncias do lúpulo em modelos já utilizados para cannabis (ambas espécies são da mesma família), mas, devido à pandemia da covid-19, ajustamos nossos projetos para atividade antiviral”, conta a pesquisadora, enfatizando seu interesse por doenças tropicais.
Para explicar por que testar a planta lúpulo contra um vírus, Tsvetelina menciona as reflexões que fazem “ao buscar pequenas moléculas para potencial terapêutico”. As estratégias dessa escolha, adianta, são: ter uma planta comum ou endêmica na região para uma doença local ou, ao contrário, usar uma planta que, originalmente, não é da mesma região, caso do lúpulo no Brasil.
A segunda estratégia, classificada pela pesquisadora como mais complexa e menos intuitiva, parece ter sido acertada, uma vez que os acilfloroglucinois são compostos comuns a outras plantas, mas os que apresentaram melhores resultados (os tipos alfa e beta ácidos) são encontrados apenas no lúpulo.
Os estudos estão sendo conduzidos por um grupo de pesquisadores brasileiros associados à colega Tsvetelina, que atua na empresa francesa Gilson. Entre os laboratórios brasileiros, além da FCFRP, estão a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP; a Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP); o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Campinas; a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal e a Universidade Federal de Jataí, Goiás.
Tsvetelina lembra que o desenvolvimento de vacinas ou as abordagens de modificação da população de mosquitos (exemplo da bactéria Wolbachia, que infecta insetos) são difíceis de implementar por várias razões. É por isso que “há sempre a necessidade de novos tratamentos”, complementa.
Apesar de achar promissores os resultados obtidos até o momento, a pesquisadora lembra que “para que uma molécula que exerce uma atividade biológica, neste caso antiviral, se torne um medicamento, o caminho é longo e repleto de muitos obstáculos a serem superados”. O que vale dizer é que as pesquisas devem continuar.

