Trata-se, isto sim, de analisar por quais motivos urge mudar radicalmente a forma de se fazer política no Brasil.
Sérgio Mauro*
Banalmente parafraseando Shakespeare, para resumir o quadro farsesco da atual política brasileira, poderíamos fazer a fatal colocação pseudofilosófica: Com Dilma ou sem Dilma, eis a questão! Não, meu caro bardo inglês, não se trata apenas de destituir ou não a chefe do Poder Executivo. Trata-se, isto sim, de analisar por quais motivos urge mudar radicalmente a forma de se fazer política no Brasil.
Suspensa temporariamente pelo Senado, até que se esgotem os 180 dias para que possa ser definitivamente afastada, Dilma Roussef será lembrada pela história como vítima de um golpe espúrio, na visão de alguns, ou como o oitavo (salvo engano) presidente a ser afastado por um processo envolvendo a Câmara e/ou o Senado, nos mais de cem anos de história republicana do Brasil. Com o tempo, é claro, serão feitas releituras, mais ou menos tendenciosas, para relatar nos livros de história destinados aos nossos filhos (ou netos) o estafante processo que culminou no afastamento de um presidente eleito pelo povo.
O que realmente importa é que com uma Câmara e um Senado formado em sua maioria por deputados e senadores envolvidos em corrupção (salvo exceções) e incompetentes, incapazes de gestos de abnegação e dedicação à causa pública que deveriam nortear os que se ocupam de política (e neste caso quem é que teria coragem de apontar uma exceção atualmente?), torna-se difícil imaginar que o governo provisório e, depois, definitivo de Michel Temer possa mudar a catastrófica situação econômica brasileira.
A lição que deve ser tirada de todos os lamentáveis episódios a que continuamente a mídia nos expôs nos últimos tempos é uma só: as reformas políticas são necessárias e não se devem limitar a uma discussão estéril sobre a adoção ou não do parlamentarismo ou dos limites que devem ser impostos a juízes e a agentes da polícia federal (e neste quesito as lamúrias de Lula lembraram as de Berlusconi, não muito tempo atrás, na Itália!). Não temos tempo para esperar que o povo brasileiro se conscientize e passe a votar com discernimento e não apenas movido por interesses próprios ou por terem sido induzidos pela propaganda ou pela mídia. Torna-se urgente começar a formar uma classe política, com homens extraídos de todas as classes sociais, que representem os interesses tanto do operariado como das elites, tanto dos homens como das mulheres, tanto dos hetero como dos homossexuais.
A quem cabe a árdua tarefa de formar os futuros deputados, senadores, juízes e presidentes? Caberia a uma universidade de elite, que seria de elite não por barrar o acesso a pessoas de baixa extração social, mas por permitir o acesso apenas aos que realmente merecerem, em pé de igualdade e em todos os níveis sociais. Evidentemente, isto só vai acontecer quando a escola pública brasileira começar a oferecer ensino de qualidade, dissipando e finalmente eliminando propostas populistas e totalmente alheias à realidade brasileira como as cotas e as reservas de vagas para quem pertence a determinada raça ou classe social.
E, last but not least, é preciso urgentemente incentivar e dar grande autonomia às mais variadas formas de associações e agrupamentos. Cabe ao dono do seu quintal decidir o que é melhor para si mesmo e para a sua família. Seria necessário multiplicar por mil e dar completa autonomia a uma miríade de sociedades de bairros de todas as cidades brasileiras, tanto das metrópoles como das pequenas cidades do interior, cada uma, é claro, com a sua especificidade. A consciência só pode ser adquirida com a maturidade, o que implica responsabilidade e deveres (e não apenas direitos). Seria necessário, portanto, parar de delegar a outros, políticos ou não, o que é de nossa responsabilidade.
*Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.