Cérebros de pessoas com ansiedade ou depressão têm variação na resposta ao medo

Ativação das regiões cerebrais têm padrões diferentes entre indivíduos saudáveis e depressivos

Da Agência USP

Fundamental para a sobrevivência, a resposta ao medo em humanos é a capacidade de entender o que representa uma ameaça e reagir a ela. A avaliação das atividades do cérebro durante as respostas pode trazer novas perspectivas para doenças associadas ao medo. Porém, limitações nas pesquisas, como a baixa amostragem de dados (número pequeno de participantes incluídos na pesquisa), tornam os resultados do campo menos precisos.

Para incluir maior diversidade de fontes e avaliar as variações nos resultados, o grupo de colaboração internacional Enigma, que reúne pesquisadores para compreensão da estrutura, função e doenças do cérebro através de imagens, realizou uma revisão em cima do que a ciência já publicou sobre correlatos neurais das respostas de medo. Os resultados, descritos em um artigo publicado na revista Nature Communications, se baseiam na maior amostra de dados já utilizada. No total, foram avaliadas ressonâncias magnéticas de 2.199 indivíduos em nove países, incluindo 1.888 indivíduos saudáveis e 311 com transtornos de ansiedade ou depressivos.

A pesquisa demonstrou que a ativação das regiões cerebrais têm padrões diferentes entre indivíduos saudáveis e aqueles que apresentam transtornos depressivos ou relacionados à ansiedade. Além disso, os autores confirmaram que o condicionamento do medo envolve múltiplas regiões cerebrais.

“É difícil conseguir, num lugar só, fazer uma coleta de um grande número de pessoas para um estudo desse tipo”, explica Juliana Belo Diniz, psiquiatra e uma das colaboradoras do estudo. Segundo ela, é preciso criar consórcios como este para superar limitações da área.

A psiquiatra atuou no Programa Transtorno Obsessivo-Compulsivo (Protoc) do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, onde conduziu um projeto de avaliação da resposta de medo por neuroimagem funcional. Os resultados desta pesquisa foram coletados e avaliados pelo Enigma.

Estímulo x resposta

Juliana Diniz explica que a resposta de medo corresponde a um condicionamento clássico aversivo, relacionada com um fenômeno de comportamento conhecido como condicionamento pavloviano. Pavlov, pesquisador que dá nome ao método, descobriu que era possível fazer um paralelo entre um estímulo e uma resposta. “De modo que o animal, qualquer que ele fosse, passasse a ter a resposta na presença daquele estímulo, independentemente do que ele fazia antes desse aprendizado.”

O exemplo mais conhecido é o experimento do cachorro, que saliva ao ouvir um sino. Neste teste, os pesquisadores fazem uma apresentação simultânea de um pedaço de carne e um barulho de sino ao animal. Mesmo após a retirada da carne do experimento, o cachorro saliva ao ouvir o som apresentado. “A propriedade foi transferida da carne para o sino. Ela tinha a propriedade de iniciar o comportamento de salivação do cachorro. Você ‘transfere’ isso para o som, que passa a ter esse efeito”, explica a psiquiatra.

A pesquisadora destaca que há diversos tipos de análise possíveis para avaliar a ativação do cérebro. Nas pesquisas do Protoc foi feito um pareamento de um leve choque elétrico (de baixa voltagem) com imagens. Através de coletas de neuroimagens funcionais, era possível compreender a ativação cerebral quando as mesmas imagens eram apresentadas, mas agora sem a presença do choque. A partir disso, o grupo buscava entender como funciona o cérebro dos pacientes, com respostas fortes ou não.

Divergências

A resposta do medo pode ser verificada de formas variadas, a partir de testes que usam choques, sons, iluminação ou imagens. “Nesse artigo do Enigma, eles avaliam grupos de pesquisa ao redor do mundo que usam paradigmas discretamente diferentes entre si para medir o que a gente chama de condicionamento de medo”, explica Juliana Diniz.

Os pesquisadores concluíram que as divergências nos resultados são causadas pelo diagnóstico principal do paciente, como variações dentro do diagnóstico de transtorno de ansiedade. Diferenças individuais, como idade e sexo biológico, têm pouca associação com o condicionamento. O grupo trabalha agora para entender o porquê.

Pesquisas dos Estados Unidos e Canadá indicam que a persistência de uma memória de medo condicionada, mesmo após o reconhecimento de que a situação não é perigosa, está relacionada ao mau funcionamento da região do córtex pré-frontal ventromedial. Por outro lado, estudos do Brasil e Europa – que utilizavam paradigmas iguais ou semelhantes – não encontraram os mesmos resultados.

“Pessoas com transtorno de estresse pós-traumático, mais prevalente nos estudos dos Estados Unidos e Canadá, têm respostas diferentes das pessoas com outros diagnósticos, como, por exemplo, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno obsessivo-compulsivo [avaliado pelas pesquisas brasileiras]. É um achado muito surpreendente, porque eles geralmente andam juntos” – Juliana Diniz

As ativações

O estudo aponta que a resposta de medo envolve as regiões cerebrais na rede central autonômico-interoceptiva, relacionada ao processamento de informações internas do corpo, ou saliência, responsável por integrar sinais internos e externos para detectar estímulos que exijam ação.

Os modelos trabalhados até então acreditavam que a amígdala, junto ao hipocampo, eram as regiões que coordenavam a ativação do cérebro durante o condicionamento de medo. O grupo demonstrou que mais regiões além das classicamente envolvidas na resposta de medo também desempenham um papel importante.

O condicionamento do medo foi associado às regiões: ínsula anterior, estriado ventral, áreas motoras pré-suplementares/suplementares, córtex cingulado anterior dorsal e córtex pré-frontal dorsolateral. Além de ativações em regiões subcorticais, como tálamo e os gânglios da base.

Segundo a psiquiatra, o que permitiu a conclusão foi a análise cerebral completa, já que a avaliação feita pelo Enigma divide o órgão inteiro em pequenos cubos e verifica se cada uma dessas partes foi ativada ou não após o estímulo.

O artigo Neural correlates of human fear conditioning and sources of variability in 2199 individuals está disponível neste link.

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