Terapia fotodinâmica pode ajudar a tratar úlceras do pé diabético
Existem mais de 13 milhões de pessoas vivendo com a doença no Brasil
Da Agência USP
Úlceras nos pés de pessoas com diabetes, ou simplesmente úlceras do pé diabético (UPD), são complicações comuns e graves do diabetes mellitus. Conforme a Sociedade Brasileira de Diabetes, existem atualmente mais de 13 milhões de pessoas vivendo com a doença no Brasil, o que destaca a UPD como uma questão de saúde pública por sua comum incidência.
A alta prevalência de amputações decorrentes dessas úlceras e a carência de tratamentos na rede pública de saúde, especialmente no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), instigaram a enfermeira Girlane Albuquerque a investigar a terapia fotodinâmica antimicrobiana como uma possível forma de tratamento adjuvante.
Desenvolvida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, os resultados da tese de doutorado confirmam a eficácia da terapia fotodinâmica antimicrobiana no tratamento de úlceras do pé diabético. O estudo foi realizado em três etapas: revisão da literatura, elaboração de um protocolo operacional padrão e aplicação em estudo clínico piloto, com coleta em dois hospitais de Ribeirão Preto: o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFMRP) e o Hospital Beneficência Portuguesa. A pesquisadora e enfermeira avaliou se a alternativa era viável e segura para subsidiar sua adoção futura na prática clínica e em políticas públicas para, então, otimizar o processo de cicatrização e reduzir amputações.
De acordo com Girlane, essa inquietação surgiu durante seu mestrado, na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). “Junto com meu orientador na época, Thiago Moura, atuamos em um ambulatório no Hospital de Aracoiaba que atendia diversas cidades do Maciço do Baturité, no interior do Estado do Ceará. Lá, percebemos que muitos dos pacientes com úlceras nos pés devido a diabetes eram casos frequentes de infecção e amputação. Essa realidade nos chamou a atenção e nos fez questionar o que podíamos fazer para intervir”, explica Girlane.
Desde então, ela estuda a aplicação da terapia fotodinâmica antimicrobiana em pés diabéticos e decidiu vir à USP para avançar em suas pesquisas.
“A perspectiva é trazer melhorias práticas para que os profissionais que cuidam dos pacientes [com úlcera do pé diabético] tenham acesso a uma ferramenta que os oriente” – Girlane Albuquerque
A terapia funciona da seguinte forma: um medicamento, o fotossensibilizador, é aplicado na área a ser tratada e, quando exposto à luz de um comprimento de onda específico, emitido por aparelho médico, cria uma reação química que mata seletivamente as células doentes.
Para o estudo, as metodologias adotadas foram a revisão de escopo, a umbrella review (síntese de evidências de múltiplas revisões sistemáticas e metanálises), a análise bibliométrica, a elaboração do protocolo, o estudo clínico piloto, além de um relato de experiência do campo. “Consegui identificar os principais efeitos da terapia, além de analisar os protocolos utilizados em outros estudos. Mapeei os estudos e identifiquei os tipos de cobertura usados nos ferimentos e as aplicações específicas. Com base nesse mapeamento, desenvolvi um protocolo operacional padrão”, detalha.
Múltiplos métodos
Ela começa pela revisão de escopo, “um mapeamento da literatura de forma abrangente”, conforme explica. Girlaine Albuquerque mapeou 27 estudos publicados entre 2009 e 2024 que confirmaram a segurança e a eficácia da terapia na redução de dor, edema, exsudato (secreção da inflamação), extensão das lesões, entre outros sintomas. Apesar do potencial, o número reduzido de amostras e o viés de algumas publicações representaram limitações importantes.
Na revisão guarda-chuva (umbrella review), a pesquisadora reuniu cinco revisões sistemáticas e metanálises que reforçaram que a terapia fotodinâmica antimicrobiana pode acelerar a cicatrização e reduzir significativamente a área das úlceras, quando comparada ao tratamento convecional; limpeza da região, retirada de tecido morto e confecção de um curativo . A técnica também mostrou eficácia no controle microbiano por reduzir a viabilidade de bactérias e criar um ambiente mais favorável ao reparo tecidual. Contudo, a heterogeneidade dos ensaios clínicos, com casos de úlceras ocasionadas por outras doenças, poderia interferir nos resultados.
Para compreender a evolução científica sobre o tema, foi conduzida a análise bibliométrica envolvendo 1.444 documentos, dos quais apenas 27 preencheram os critérios de elegibilidade. Entre eles, há um predomínio de publicações em inglês, majoritariamente artigos brasileiros e italianos de medicina e enfermagem, publicados em periódicos de alto impacto.
Apesar do avanço, apenas sete estudos eram ensaios clínicos, evidenciando a lacuna representada pela necessidade de atividade de campo. Para superar essas lacunas identificadas, Girlane desenvolveu o protocolo clínico padronizado de aplicação da terapia, testado em um estudo clínico piloto controlado e randomizado em Ribeirão Preto, com quatro pessoas no grupo controle e cinco no grupo de intervenção. “É uma forma de ter uma técnica passo a passo para que todos os pacientes recebam a terapia de forma igual, para homogeneizar pesquisas futuras em termos de parâmetros e servir de instrumento para os profissionais, outros enfermeiros que estão na ponta, no serviço”, detalha a pesquisadora.
Os resultados mostraram que os pacientes do grupo intervenção tiveram redução superior a 63% no tamanho das úlceras, contra aumento da área em alguns casos do grupo controle. Também houve menor proliferação bacteriana entre os tratados com a terapia fotodinâmica antimicrobiana, em contrapartida ao aumento do número de espécies bacterianas no grupo controle. Apesar dos achados, o estudo enfrentou limitações, como o número reduzido de participantes e a falta de registro da carga microbiana por limitações do fomento.
Biópsia essencial e investimentos
Um dos motivos para a mudança para São Paulo era a possibilidade da biópsia, que permite um tratamento mais adequado aos pacientes. “Auxilia a identificar o melhor padrão de tratamento para o paciente caso ele viesse a se infectar, especialmente se fosse um paciente com perfil multirresistente. Nesse caso, não seria ideal enviar o paciente para casa, mas sim acompanhá-lo no cenário hospitalar para garantir um tratamento mais efetivo”, continua a enfermeira.
Em Aracoiaba, os recursos limitados impediram, em primeiro momento, a realização dessa etapa considerada essencial pela pesquisadora. Essa limitação evidencia uma falta de investimento nesses casos e em sua prevenção. “É preciso investir nessa área como política pública, pois o cuidado com pacientes que apresentam feridas de difícil cicatrização tem um custo elevado para o sistema de saúde”, explica Soraia Rabeh, professora da EERP e orientadora da tese. “É fundamental direcionar os recursos para tratamentos e cuidados baseados em evidências ”, aponta.
Ela indica que investimentos em fases iniciais da enfermidade são necessários tanto quanto em uma formação com foco nas recentes pesquisas para cuidados efetivos. “Causa muito sofrimento esse tipo de lesão. Esse estudo abriu grandes possibilidades”, diz.
“Aplicar os resultados da pesquisa, usar um protocolo para a prática clínica e enfrentar os desafios pode transformar a forma como cuidamos dos pacientes e melhorar os resultados, prevenindo complicações” – Soraia Rabeh
“A dificuldade interna [de logística] que enfrentamos mostrou que utilizar as melhores evidências não é a realidade. Ficou claro, pois tivemos que criar o fluxo de atendimentos, inclusive para coletar as amostras”, declara Soraia. Após concluir a tese, Girlane voltou ao Ceará como docente do curso de Enfermagem na universidade em que realizou o mestrado, a Unilab, para agora criar esse fluxo no interior com diálogos e negociações.
A tese completa está disponível on-line e pode ser lida clicando aqui.


