Para ex-ministro, planos de saúde populares não são viáveis à população
Arthur Chioro, que chefiou a pasta da Saúde no governo Dilma, participou em Botucatu de evento em defesa do SUS
Texto e Fotos: Flávio Fogueral
Ex-ministro da Saúde, entre 2014 e 1015, Arthur Chioro, criticou abertamente a proposta de criação de planos de saúde populares, intenção do governo interino Michel Temer (PMDB), como forma de desafogar o SUS (Sistema Único de Saúde) e garantir maior cobertura de serviços. Para ele, caso a medida seja oficializada, poderá oferecer serviços “de baixa qualidade”, o que obrigará aos contratados a recorrerem novamente ao sistema público.
Chioro participou da mesa-redonda “Direito à Saúde: sustentabilidade e futuro do SUS”, realizado na noite de quinta-feira, 25, na Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp, câmpus de Rubião Júnior. Além do ex-ministro, expuseram suas posições e considerações sobre saúde pública os professores Giovanni Acciole, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e Nelson Rodrigues dos Santos (Unicamp).
Durante o evento foram debatidos aspectos como o financiamento do SUS, relevância para a sociedade de um sistema universal de saúde, além das possibilidades de mudanças na chamada Saúde Suplementar, que consiste nos tradicionais planos com operadoras de caráter privado ou cooperativas.
Uma das alternativas apresentadas pelo governo interino de Michel Temer (PMDB) refere-se à proposta de se criar planos populares. A medida, que deve ser apreciada, criaria uma categoria com menor cobertura de procedimentos e serviços do que os oferecidos atualmente como obrigatório pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Em fase embrionária, a ideia ainda é formatada por grupos de trabalho criados pelo Ministério da Saúde. No entanto, já sofre críticas de setores representativos da sociedade e da classe médica, como o Conselho Federal de Medicina. A entidade classifica que tais serviços “beneficiariam apenas os empresários da saúde suplementar”.
Para o ex-ministro da Saúde do governo Dilma (PT), esta possibilidade é “pouco viável, sendo que seu intuito não seria resolver os problemas da saúde brasileira”. Para ele, a criação de planos básicos significaria mudanças na listas de procedimentos, alteração na regulação da saúde complementar e, principalmente a de valores cobrados pelas empresas.
“Na prática, não vejo que a população de baixa renda, até mesmo a classe média, tenha meios de assumir este compromisso (contratar planos) mesmo que sejam em caráter popular”, criticou Chioro. “Se isso for feito, serão planos de baixa qualidade e que não entregarão aquilo que foi prometido. As pessoas serão obrigadas a continuar usando o SUS, cada vez mais frágil e sem os recursos para atender a população”, complementou o ex-ministro, que é médico e professor da Unifesp.
Notícias.Botucatu- Nesse momento de mudanças políticas e econômicas, se aventa a possibilidade de planos populares como alternativa ao SUS. Arthur, a proposta de se criar esta modalidade de planos é uma a?
Arthur Chioro- Acho pouco viável, inclusive que tenha materialidade. É uma estratégia para atingir outros objetivos. É inadequado e não resolve o problema da saúde no país. Ao lançar essa proposta de lançar esses planos populares, setores dentro e fora do governo têm objetivo de diminuir o rol de procedimentos, reduzir a fiscalização da ANS, ter mais liberação de reajuste. Ou seja, são outros interesses pois não vejo na prática, possibilidade da população brasileira, mesmo na classe média e principalmente pessoas que sem condições de pagar planos de saúde, assumir tais planos, mesmo sendo populares. Se isso for feito (a criação dos planos populares), serão planos de baixa qualidade que não entregarão aquilo que foi prometido para as pessoas, que serão obrigadas a usar o SUS, cada vez mais frágil e sem os recursos necessários para atender bem a população. Por isso, acho fundamental lutar pelo SUS, com mais qualidade. Planos de Saúde populares não são a solução. Não foram em lugar algum no mundo e não será no Brasil. Isso é só para atender interesses dos empresários e do sistema financeiro.

NB- O economista Paulo Furquin, do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo (leia aqui), ressaltou que, com o atual modelo de regulação dos planos de saúde, torná-los mais populares não seriam viáveis…
AC- … claro, porque existe um rol de procedimentos em que as operadoras de plano de saúde têm que garantir um conjunto de procedimentos. Planos populares significariam, obrigatoriamente, redução de direitos; ou seja, certos tipos de consultas ou exames. Quando precisar de outros tipos, terá que recorrer ao SUS. Isso afronta a legislação, as regras com as quais os planos de saúde foram regulamentados em 1998 pelo Congresso Nacional. Por isso considero pouco viável, ainda mais que o governo federal, por meio do presidente Temer, fala em diminuir em 20 anos os gastos em saúde, não vejo como as classes populares conseguiriam ter o sistema financiado se não por subsídios estatais. É uma equação que não fecha. Assim como várias outras propostas apresentadas pelo governo interino em outras áreas, mas que não se sustentam.
NB- As suas últimas visitas a Botucatu foram em momentos de conturbação política com a aprovação, em abril, da admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Agora, seu retorno à cidade (em 25 de agosto), o Senado começa a votar em definitivo o processo. Caso esteja consumado o afastamento, como visualiza o próprio SUS com o novo governo?
AC- Um grande risco. Porque se trata de um conjunto de forças políticas fortemente entregues a setores empresariais nacionais e internacionais, aos quais não interessa atender o Estado democrático de Direito ou aquelas conquistas sociais que vieram com a Constituição de 1988. Pelo contrário, haverá uma regressão importante com a retirada de direitos previdenciários, trabalhistas, no campo da educação, no campo da saúde implica na destruição do Sistema Único de Saúde para atender a esses interesses privados. Claro que a sociedade brasileira irá reagir. Mas, ao mesmo tempo, há setores que dão grande blindagem a essa estratégia. Vejo que admitindo-se o impeachament- que considero um golpe, a população brasileira irá perder ainda mais com o que virá na sequência.
NB- Inclusive o evento realizado pela Unesp de Botucatu debateu a defesa do SUS nesses 26 anos. Tendo em vista todo esse cenário, de impeachment e possíveis mudanças na política de saúde pública, como defendê-lo?
AC– Em primeiro lugar, demonstrando do que ele (SUS) foi capaz de fazer ao longo desses 26 anos de existência. Não é pouca coisa. Produziu mais vida, reduziu a mortalidade infantil, aumentou a expectativa média de vida, reduziu a dor e o sofrimento. Incluiu, ao garantir que milhões de brasileiros passassem a ter acesso a um sistema de saúde. Ainda que tenhamos problemas, ainda é melhor do que muitos países em que existe a lógica de mercado e como está se tentando colocar agora no Brasil. Depois, discutir com a sociedade e os usuários do SUS, o que significa perder aquilo que foi conquistado. Temos que lutar para ter um SUS melhor, de qualidade, e não voltar ao que tínhamos no passado: quem tiver dinheiro compra a saúde como mercadoria e quem não tem, vai viver de um sistema de saúde pobre para os pobres. Sabemos o que isso influencia nos indicadores de qualidade de vida. Lutar pelo SUS é lutar pela democracia, pela justiça social e por uma sociedade mais saudável.