A solução viável nos dias de hoje para garantir o estímulo ao desenvolvimento pessoal e uma sociedade menos desigual é a existência do mercado, regulado pelo Estado
por Valdemar Pereira de Pinho*
As concepções da ideologia da meritocracia foram exacerbadas a partir do advento e disseminação da ideologia neoliberal, principalmente nos governos de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos EUA. “Ao combaterem o Estado do bem-estar social e a responsabilidade coletiva pelos destinos dos menos favorecidos, ao enfatizarem que ‘o mundo não deve nada a ninguém’, essas ideologias reafirmaram o desempenho como o único critério legítimo e desejável de ordenação social nas sociedades modernas. Vale lembrar a frase de Margaret Thatcher ‘Não existe essa coisa de sociedade. Há homens individuais e há famílias’.” O resultado desses governos foi a ampliação brutal da riqueza dos que já a tinham e o empobrecimento da maioria. Antes do governo Thatcher um alto executivo de banco ganhava em torno de 40 vezes a média do salário da categoria. Após, passou a ser de 400 vezes a média. E são assalariados, embora com “bônus por produtividade”. Aliás, quando o banco Lehman Brothers e outros quebraram o governo americano o socorreu com trilhões de dólares. E os executivos que dirigiram a catástrofe se auto-concederam “bônus por produtividade” no fim do ano!
Essas concepções acreditam que basta a possibilidade legal de que todos possam pleitear o acesso a posições de destaque na sociedade, e as decorrências disso, como a riqueza, para que exista igualdade de oportunidades. Ao exacerbar o individualismo e a competitividade os melhores vão sobressair (os vencedores) e ascender social e economicamente. Aos demais (os perdedores) resta servir aos vencedores segundo regras e condições ditadas pelos vencedores. E o neoliberalismo não admite a intervenção do Estado para amparar os perdedores. O mercado resolve.
Acontece que a vida de cada um, desde antes do nascimento, anulam a pretensa igualdade. Os que têm uma herança em dinheiro têm condições de comprar uma vida melhor, saindo na frente dos que vêm de uma família pobre na disputa. Incluindo estudo em tempo integral em boas escolas privadas, para entrar nas boas Universidades públicas. Os que se originam dessas famílias têm relações pessoais diferenciadas, ele ou seu pai, são amigos do gerente do banco e tem mais facilidade de obter um empréstimo em condições favoráveis que um desconhecido. Amigos influentes no Estado traz vantagens em contratos e concessões. Ah, tem a licitação… Fazer parte de confrarias ou corporações que beneficiam os confrades, trás vantagem comercial, um emprego melhor etc. E essas organizações não são abertas a qualquer um. Ou seja, a igualdade é uma falácia no mundo real. Ricardo Paes de Barros, um consciente economista liberal, criticou a naturalidade com que a sociedade aceita o conceito. “Sem resolver a desigualdade de oportunidades, ficar falando em meritocracia é piada. Como discutir o mérito de quem chegou em primeiro lugar em uma corrida onde as pessoas saíram em tempos diferentes e a distâncias diferentes?”
Então, o que fazer? Sem o critério meritocrático como se faria pra ascender social e economicamente? Os países “comunistas” resolveram a questão com o Estado controlando todas as atividades econômicas, definindo salários com diferença máxima 20 vezes e educação, saúde e outros serviços públicos de qualidade. No início tudo ia bem, até que, com novas gerações, a falta de estímulo financeiro, dentre outras condições, derrubou a economia e o modelo.
A solução viável nos dias de hoje para garantir o estímulo ao desenvolvimento pessoal e uma sociedade menos desigual é a existência do mercado, regulado pelo Estado, que diminua as diferenças de partida com políticas de inclusão social e distribuição de renda, educação e saúde públicas e de qualidade para todos e defesa do patrimônio e soberania nacionais. Ôpa, mas isso não é o comunismo?
* Valdemar Pereira de Pinho é professor aposentado da Unesp e membro do Partido dos Trabalhadores, em Botucatu.