Todas essas louváveis tentativas de inclusão social revelaram-se inócuas, paliativas e pouco eficazes.
por Sérgio Mauro*
Lula, acuado pela operação Lava Jato, que já mandou prender Cunha , vem a público dizer que estão condenando, na verdade, um projeto político por ele encarnado e representado. Inicialmente, cabe a pergunta: que projeto politico foi este e quais foram as suas consequências? O projeto político representado pelo ex-sindicalista e ex-presidente, se não me falha a memória, fundamentou-se na farta distribuição de auxílios irrisórios a famílias em estado de miséria. Na educação, entre outras coisas, sobretudo em nível superior, houve a criação de novas universidades públicas e de bolsas para que determinado número de alunos pudessem frequentar faculdades particulares. O ENEM, projeto do governo anterior, foi mantido, assim como a fiscalização de universidades particulares no que diz respeito à exigência de titulação mínima e de um número mínimo de livros nas bibliotecas à disposição de alunos e professores.
A integração que supostamente seria propiciada pelas cotas relacionadas à classe social e à etnia, apesar da intenção nobre, só contribuiu para baixar ainda mais o nível das universidades públicas, pois a verdadeira e justa integração só ocorre quando se oferecem oportunidades iguais a todos, brancos ou negros, pobres ou ricos, e para tanto é necessário obviamente que haja um ensino público de qualidade, com professores bem remunerados. Mesmo o mais radical “lulista” há de admitir, por mais que o idolatre, que os salários dos professores das escolas públicas e as condições de trabalho e de estudo dos docentes, funcionários e alunos nunca foram as ideais no passado e,13 anos após os dois ex-presidentes do PT, ou continuam na mesma ou pioraram. Na saúde pública, não me lembro de nenhum projeto mirabolante dos governos Lula e Dilma, a não ser a contratação de médicos cubanos que, na maioria dos casos, fracassou. Quem usa o sistema de saúde pública sabe muito bem que não houve grandes progressos nos últimos anos.
Todas essas louváveis tentativas de inclusão social revelaram-se inócuas, paliativas e pouco eficazes. Além do mais, como é notório, foram concebidas e postas em prática no governo anterior. No que consistiu, portanto, o famigerado projeto que o “demoníaco” Sergio Moro estaria procurando destruir? Na ampliação desmedida de auxílios sociais, sem o devido dinheiro em caixa e sem o devido planejamento que deveria ter levado em conta a persistente fragilidade da economia brasileira, pouco produtiva em alguns setores, amarrada por legislações trabalhistas ultrapassadas, por uma ineficiente e jurássica rede de transportes, por um sistema judiciário lento e por uma moeda constantemente sujeita às oscilações das economias mais ricas que dominam o comércio mundial. Ou será que o projeto a que se refere Lula consistiu no estabelecimento de parcerias e laços diplomáticos mais fortes com outros países tão ou mais pobres do que o Brasil? No entanto, se bem me lembro, um dos maiores elogios a Lula foi feito justamente por Obama, e não por um presidente de um país africano ou caribenho, o que dá a medida da ambiguidade e da escassez de ideias inovadoras das relações diplomáticas durante os dois últimos governos.
Com relação a Lula ser culpado ou não, é inconcebível que um ex-presidente despreze e desconsidere publicamente a atividade dos juízes e procuradores ligados à operação Lava Jato. Igualmente absurdo é propor alterações ou emendas na Constituição que limitem a ação dos magistrados, evitando supostos abusos. Por que só agora Renan Calheiros e Lula se lembraram de que os juízes e a Polícia Federal têm presumíveis poderes excessivos no Brasil? Na verdade, antes não lhes era conveniente, além de desnecessário, analisar a possibilidade de que um dia pudesse surgir um juiz implacável e obstinado, que arriscasse a própria pele para descobrir a verdade.
Ninguém pode negar as boas intenções do projeto encabeçado por Lula e por outros líderes do PT nos últimos anos, visando a uma distribuição de renda menos injusta no Brasil. Forçoso é, porém, que ele e outros companheiros de aventura política reconheçam que os resultados obtidos em termos de justiça social foram muito parcos para justificar o assombroso déficit público. E o que dizer do desemprego atual? De quem é a culpa? Da conjuntura econômica internacional? O mesmo disse Fernando Henrique Cardoso, durante a crise de 1999, e foi massacrado pela opinião pública e pela mídia de esquerda mais radical (e pelo próprio Lula, se não me engano). É realmente fácil fazer críticas quando se está no confortável “limbo” de partido da oposição!
Enfim, boas intenções cuja aplicação prática demandou déficits incontroláveis e mais desemprego não bastam para que Lula se sinta um mártir e nos peça clemência. Sinceramente espero que ele consiga provar a sua inocência, embora me pareça uma tarefa árdua e quase impossível, a julgar pelos dados a que pude ter acesso, nos últimos tempos, mediante a mídia oficial, talvez “burguesa” e parcial, como diriam os petistas mais radicais, mas a única de que posso dispor para me informar minimamente a respeito dos fatos, como, de resto, ocorre com a imensa maioria dos brasileiros.
*Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.