A vida de uma mulher importa

O aborto é uma questão de saúde pública, e não cabe espaço para imposições de dogmas religiosos

por Iara Maki Endo Marubayashi*

O Estado, ao negar a mulher o direito ao seu corpo, no caso do aborto, promove o feminicídio. Ele priva o acesso à assistência médica, social, emocional e protetiva no momento em que elas tanto precisam. Respaldado por um arcabouço legal arcaico e patriarcal, que pune somente as mulheres, os profissionais da saúde e terceiros que a auxiliarem nesta decisão (se excluindo aqui, os casos de aborto legalizado), não há qualquer menção ao homem que a engravidou.

Cada mulher aborta por motivos subjetivos, na qual ninguém tem o direito de julgar, considerando que não conhecemos sua realidade, e as condições concretas que a levaram realizar um procedimento que impacta, tanto o corpo como a mente.

É preciso ressaltar essas cicatrizes que permanecem com as mulheres, tendo em vista que muitos julgadores, misóginos, religiosos que vociferam contra as mulheres, as discriminando como assassinas frígidas e putas inconsequentes, não compreendem que abortar está longe de ser uma decisão leviana, de mulheres irresponsáveis; pelo contrário, é uma escolha difícil, e com a manutenção da ilegalidade, é um momento que causa muita solidão.

Já se sabe que a prática é legalizada para quem pode pagar clínicas particulares, onde encontram conforto e segurança no procedimento, por outro lado, há as mulheres pobres que o fazem sem nenhum respaldo, e por complicações, podem ir a óbito.

Argumentam alguns que, a mulher deveria ter a criança e dá-la para adoção, como se isso fosse uma ação fácil e aceitável nesta sociedade moralista e extremamente violenta e individualista, em que ainda, uma parte do corpo do homem (no caso, trocou-se a costela pelo espermatozoide), ainda, vale mais que a vida de uma mulher.

O aborto é uma questão de saúde pública, e não cabe espaço para imposições de dogmas religiosos em uma questão de mortalidade feminina evitável.

Sim, esta é uma informação preciosa, porque permite maior clareza sobre a luta pelo direito ao aborto, que tanto é pela autonomia da mulher sob o seu corpo, mas também é uma batalha em defesa da vida da mulher, que corre tantos outros perigos iminentes durante toda a vida, somente pelo fato de sua condição de gênero, ser mulher. Por isso, é preciso reafirmar, que o Estado promove o feminicídio ao manter o aborto como prática ilegal.

Devemos considerar a vida da mulher em igualdade de condições com a dos homens. Não permitindo a minimização de sua vida por determinações sócio-históricas, reproduzidas como verdades absolutas, como por exemplo, que a mulher nasce para reproduzir e se tornar mãe.

Esta percepção não permanece somente no direito ao corpo, mas invade todas as dimensões da vida da mulher, desde o nascimento em que o tratamento já se diferencia na socialização, na sexualidade, na exploração do mundo ao nosso entorno, nos brinquedos, nos presentes, no cabelo, enfim, como Beauvoir sabiamente apreendeu e socializou: ninguém nasce mulher, se torna.

Estas expressões deixam claro, a base cultural de controle social opressivo e violento que todas as mulheres estão expostas, e no caso do aborto, é uma expressão gritante da desigualdade de gênero que prevalece na cotidianidade estrutural desta sociabilidade reificada. Produto-base de um sistema que defende a todo custo a “liberdade” de propriedade privada, o livre-mercado, a “liberdade” de informação, a “liberdade” de escolhas, mas, nega veementemente, uma outra forma de liberdade, que preza pela defesa dos direitos fundamentais de dignidade da pessoa humana, tais como o direito a autonomia de escolher sobre abortar ou não. Escolha esta, que cabe somente à mulher e mais ninguém.

Porque sim, a vida de uma mulher importa.

Iara Maki Endo Marubayashi é formada em Serviço Social pela Unesp, Câmpus de Franca.

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