Polícia Federal entra na investigação do “Caso Sangari”

Ministério Público investiga a contratação de metodologia de ensino por R$ 11.241.832,02

por Flávio Fogueral e Sérgio Viana

Após quatro anos tramitando na Justiça local sem uma sentença em primeira instância, o caso “Sangari” chega à esfera federal. No início de maio a Polícia Federal- situada em Bauru-, por meio do delegado Oscar Luiz Torres, solicitou à 2ª Vara Cível da Comarca de Botucatu, as cópias integrantes do inquérito civil e da Ação Civil Pública movida contra o ex-prefeito João Cury Neto (PSDB), o ex-secretário de Educação Narcizo Minetto Junior e a Abramundo Educação e Ciências LTDA – que respondia pelo nome de Sangari do Brasil, quando foi contratada pela gestão tucana e aberta a ação judicial.  

Os documentos integrarão o inquérito aberto pela Polícia Federal (PF) no início de 2017, sob o número 0184/2017-4. O caso é acompanhado pelo Ministério Público Federal (MPF) que, em fevereiro, certificou o envio de documentos à Procuradoria Geral da República, em Bauru (97 Km de Botucatu). Cury, prefeito de Botucatu entre 2009 e 2016, é o atual presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) de São Paulo – cargo ao qual foi indicado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) -, já Narcizo Minetto continua professor na Escola Industrial (Centro Paula Souza) de Botucatu e líder evangélico.

Documento emitido pela Polícia Federal onde requer os documentos do processo do "Caso Sangari"
Documento emitido pela Polícia Federal onde requer os documentos do processo do “Caso Sangari”

A investigação ocorre por supostas irregularidades em contrato assinado em 2010, sem licitação, no valor de pouco mais de R$ 11 milhões, somados aditamentos, dos quais R$ 6.996.896,52 foram pagos.

O caso refere-se à contratação, em 2010, da Sangari do Brasil – hoje Abramundo – para a implantação de nova metodologia de ciências nas escolas municipais, batizada posteriormente de “Ciência para a Gente”. Com isso, seriam fornecidos materiais e kits aos alunos do Ensino Básico e Fundamental de Botucatu. Segundo o Ministério Público, foram adquiridas “apostilas (livro do aluno e livro do professor) e kits de ciências ou materiais de investigação, alguns com conteúdos especificados, consumíveis e não consumíveis, como tesouras, caixas de papelão, papel toalha, caneta, copos plásticos, etc, mas outros com conteúdos não conhecidos, denominados itens para experimentos científicos (seres vivos como minhocas, peixes e plantas), sempre sem qualquer descrição de preço unitário, os quais ficavam acondicionados em um armário”.

Para a implantação do projeto, para um período de cinco anos, foram investidos pelo município R$ 9.666.804,84, considerado pelo próprio MP como o maior contrato já firmado pelo município. O então secretário municipal da Educação, Narcizo Minetto Júnior, solicitou a dispensa de licitação para a contratação, afirmando em suas alegações, que os produtos oferecidos pela Sangari seriam únicos, ou seja, não oferecidos por nenhuma outra empresa.

No entanto, o contrato sofreu aditamentos contratuais sendo que, segundo o MP, o primeiro era datado de agosto de 2010, no valor de R$ 898.261,40 e posteriormente, em 2011, os valores passaram a ter o acréscimo de R$ 676.765,78. Com isso, o contrato entre a Prefeitura de Botucatu e a Sangari do Brasil passou a ser de R$ 11.241.832,02.

Assista ao vídeo divulgado, à época, explicando o sistema de ensino da Sangari, com depoimento do então secretário municipal da Educação, Narcizo Mineto Júnior.

Mas o valor não seria o problema principal enfrentado em todo o período de vigência do contrato. O sistema de ensino de ciências da Sangari enfrentou dificuldades de implantação na rede municipal, além da complexidade dos horários de grupos de professores inviabilizaram o pleno funcionamento do método adquirido.

Devido aos problemas encontrados e o valor investido, o então secretário municipal da Educação, Narcizo Minetto Júnior, solicitou a rescisão contratual; fato que se concretizou em abril de 2012. “A Secretaria Municipal de Educação passou a conviver com problemas para a execução plena do programa; sobretudo devido a complexidade dos horários de um grupo de professores de Ciências, que tornaram-se incompatíveis para manutenção do nível de acompanhamento das atividades e formação contínua do corpo docente. Esse foi o principal motivo que levou o município a solicitar, em abril de 2012, a rescisão do contrato. Vale frisar que após dois anos da execução do programa, o município adquiriu o know how necessário para manutenção das atividades com algumas adaptações, sem qualquer prejuízo para os alunos. O programa continua sendo aplicado na rede municipal de ensino com absoluto sucesso, reduzindo sensivelmente o número de faltas nos dias das aulas de Ciências”, justificou, em 2013, a Prefeitura Municipal sobre os problemas enfrentados.

Ainda em 2013, a Prefeitura de Botucatu divulgou, em seu site oficial, que o Tribunal de Contas do Estado (TCE), julgou legalmente a contratação da Sangari.  Segundo a nota oficial emitida à época, o aditamento foi necessário pelo aumento no número de alunos atendidos pelo programa. “O programa atendeu 6.629 alunos, mas a partir da municipalização das escolas Francisco Guedelha, Américo Virgínio dos Santos, Martinho Nogueira, Raymundo Cintra, João Queiroz Marques e Paulo Guimarães, mais 1.751 estudantes foram incluídos na rede municipal de ensino. Para que todos pudessem ser incorporados ao universo atendido pelo programa foi necessária a formalização de dois aditamentos contratuais nos valores de R$ 898.261,40 e R$ 676.765,78.”, alegou o Poder Executivo.

O processo segue na Justiça. Em caso de condenação das partes, o MP pede a devolução dos pagamentos feitos e que os políticos envolvidos respondam por improbidade administrativa, o que levaria a perda de mandatos e impossibilidade de se eleger. Os recursos foram provenientes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

A reportagem entrou em contato com a assessoria do FDE, onde João Cury é presidente, mas não obteve retorno de seus assessores.

Julgamento que não ocorreu

O julgamento da Ação Civil Pública contra o ex-prefeito João Cury (PSDB), o ex-secretário da Educação, Narcizo Minetto Júnior e a Abramundo-antiga Sangari-, estava previsto para ocorrer em 26 de outubro, logo após a eleição municipal de 2016. A ação está para sentença, aguardando as alegações finais.

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