Chinaglia diz não haver plano B sem Lula: “Temos que priorizar o embate-político ideológico. Nós descuidamos”

Deputado petista avalia os erros cometidos pela legenda enquanto governo e ressalta que governo Temer sofrerá crescente desgaste com denúncias

por Flávio Fogueral

Presidente da Câmara dos Deputados de 2007 a 2009, Arlindo Chinaglia é testemunha dos bastidores do apogeu e da mais intensa crise de imagem que o Partido dos Trabalhadores (PT) vive desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Um ano após o afastamento em definitivo da então mandatária e da intensificação das investigações da Operação Lava-Jato que respingou em todo o partido, inclusive no próprio deputado.

Chinaglia foi citado suspeito por cobrar R$ 10 milhões em propinas da Odebrecht. Teria recebido R$ 2,5 milhões do chamado “setor de propinas” da empreiteira. As denúncias ainda estão sob investigação. Enquanto isso, Chinaglia está prestes a participar, nesta semana, da sessão que pode selar o futuro do governo Michel Temer (PMDB). Neste caso, o substituto de Dilma é acusado de corrupção passiva após delação de Joesley Batista, do grupo JBS.

Toda esta conjuntura política, delações premiadas, Operação Lava Jato e, principalmente a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e seis meses de prisão, pode impactar no futuro tanto das eleições presidenciais em 2018 quanto no do próprio PT, partido o qual Chinaglia é um dos fundadores.

Para estreitar a presença do partido em suas bases de atuação, parlamentares da sigla percorreram todo o Estado no recesso parlamentar. Chinaglia participou, dia 26 de julho, da posse do novo diretório municipal do PT de Botucatu. Junto aos petistas locais, ressaltou que este é um momento em que o partido tem a necessidade e, simultaneamente, de recompactuar com as bases populares e organizações sociais. “A distribuição de renda e o desenvolvimento econômico sustentável é o eixo, mas a área social é a atenção que caracteriza qualquer governo de esquerda”, frisou.

O deputado, fez ampla análise da conjuntura política. Disse que o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff foi um duro golpe ao partido. Transparece, ainda, preocupação quanto ao cenário eleitoral para o próximo ano: enquanto não admite haver um Plano B caso o ex-presidente Lula seja impedido de se candidatar, Chinaglia atacou também os virtuais adversários, onde ressaltou o recrudescimento da direita no país. “A direita mostrou mais uma vez que é violenta. Ela é radical no pior sentido do termo. Ela não respeita o processo democrático”, provocou.

Notícias Botucatu- Hoje o PT vive com o seguinte dilema: seu nome mais expoente, o ex-presidente Lula, foi condenado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e seis meses de prisão. Isso pode impactar de forma direta para a campanha de 2018. O partido trabalha com uma espécie de “Plano B” caso a candidatura de Lula seja inviabilizada?

Arlindo Chinaglia- Primeiro o PT é um partido grande e ao mesmo tempo sabe que o principal nome histórico dele é o Lula. Acho que qualquer discussão sobre um Plano B é prematura. Isso faria com que qualquer pessoa pense que o próprio PT não acredite em uma absolvição do Lula. Não é o PT que tem que acreditar na absolvição, mas sim a população brasileira, o judiciário. Enfim, que sociedade civilizada condena alguém sem provas? Essa é a discussão. Do ponto de vista do prestígio do Lula, ele começará a fazer viagens pro Nordeste. Está forte e vai crescer mais. Mas cabe aos advogados e também o Judiciário acompanhar da maneira mais atenta. Porque o dia que qualquer sociedade aceitar condenação sem provas, deixou de ser uma sociedade democrática. As pessoas podem respeitar o Lula, podem ter raiva, desejar a condenação. Mas reitero que se houvessem provas contra o Lula, as revistas já não as teriam estampado na capa? Não digo revistas brasileiras, mas do mundo inteiro. As TVs já não teriam demonstrado? Se não aparece prova ele está sendo condenado em base em quê? Essa não é só a opinião do PT, mas até de jornalistas que apoiaram o impeachment da Dilma; é só acompanhar o Jânio de Freitas, a opinião do Reinaldo Azevedo, que não gosta do Lula e nem do PT.

Chinaglia: “Não considero nem a hipótese do Haddad, nem de ninguém. Depois do Lula, quem mais teve sucesso eleitoral fora a própria Dilma, foi Jacques Wagner”

NB: … Reinaldo Azevedo, inclusive, foi um dos maiores defensores do impeachment da ex-presidenta Dilma.

AC- Sim. Até porque aplaudo que, apesar da posição política e ideológica de alguém como Reinaldo Azevedo, ele até para se manter coerente com as causas que defende que não são as mesmas que defendo, precisa manter sua coerência intelectual. Vi um debate na TV Cultura que lamento, porque alguém do Ministério Público perdeu o debate em argumentos para um jornalista e que não é formado em Direito.

NB- Recentemente o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em entrevista ao programa Diálogos, da GloboNews, também foi indagado sobre a questão do “Plano B”. Ele não disse que sim e tampouco negou que assumiria uma campanha a presidência pelo PT. Caso Lula não seja candidato, o ex-prefeito da capital seria um nome natural do partido ou existem outros dentro da legenda?

AC- Não considero nem a hipótese do Haddad, nem de ninguém. Depois do Lula, quem mais teve sucesso eleitoral fora a própria Dilma, foi Jacques Wagner. Foi duas vezes governador da Bahia e elegeu o sucessor. Mas não defendo o Wagner, nem ninguém. Na minha opinião, quando a imprensa começa a especular, não posso desconsiderar a hipótese que é um mecanismo sutil ou não que diz que Lula seria “carta fora do baralho”. porque o próprio PT passa a discutir nomes alternativos. Não embarco nessa.

NB- Do outro lado, o da concorrência, começam a aparecer nomes com uma forte considerável: Jair Bolsonaro (PEN), João Doria Jr e Geraldo Alckmin (ambos do PSDB). Desses três nomes, qual seria a ameaça à uma candidatura do Lula?

AC- Ainda está longe. Os três são candidatos de direita. O Bolsonaro grita mais, mas na essência, os três representam um campo de ideias. É bom porque estão divididos.

NB- Desde 2015 com os protestos pelo país e, principalmente com o impeachment de Dilma, em 2016, vê-se uma grande polarização política com ênfase nos mais jovens, onde muitos adotam o discurso da direita. Nesse contexto, hoje o PT volta às suas raízes e de que forma a esquerda deve trabalhar no Brasil?

AC- Primeiro que nem todos que vociferam, sejam pelas redes sociais ou agredindo as pessoas devam, digamos, consideramos como agentes conscientes de processos importantes como a condução do país. O plano para a esquerda em um país onde se morrem 161 pessoas por dia- é um avião caindo lotado- e a sociedade aceita passivamente, ela está doente. Quando temos a concentração de renda que o Brasil tem, sou obrigado a concluir da seguinte forma: ou as pessoas não têm consciência ou não tem solidariedade. A esquerda se orienta pelo mais elevado sentimento que um ser humano pode ter que é a solidariedade. Segundo: temos que ter propostas. Seja pelas experiências de governos que já temos e inclusive há estudos de pessoas que, inclusive não são da esquerda, demonstram que o período mais frutífero da economia brasileira foi no governo Lula (2003-2011). Então, temos que defender distribuição de renda, garantir acesso à saúde e educação principalmente aos mais pobres. Quanto à segurança pública, não é possível que não tenhamos nem inteligência nas polícias para fazer um combate eficaz. A distribuição de renda e o desenvolvimento econômico sustentável é o eixo, mas a área social é a atenção que caracteriza qualquer governo de esquerda.

NB- Dia 31 de agosto completa um ano do afastamento em definitivo da ex-presidenta Dilma Rousseff, encerrando um ciclo de 14 anos do PT no poder. O que o partido tira de “lição” desse fato e como a legenda se vê, na condição de oposição ao governo Michel Temer (PMDB)?

AC- Se depender da minha opinião, a direita mostrou mais uma vez que é violenta. Ela é radical no pior sentido do termo. Ela não respeita o processo democrático. Portanto, creio que essa história do PT voltar às raízes não define bem porque nenhum partido repete processos. Passado é passado. Temos que acumular experiências. Nesse sentido há questões estratégicas que passamos muito por cima como o papel do Judiciário, do Ministério Público. Ando bastante preocupado com o Estado democrático de Direito. Avalio que a principal conclusão é essa: não se pode ficar acreditando que a institucionalidade se garante sozinha. Ela nunca se garantiu. Temos que apostar mais no debate político-ideológico. O sucesso de governo de forma indireta nos fez mal. Começamos a listar as benfeitorias: Bolsa-Família, aumento real do Salário Mínimo, criação de universidades públicas federais, Financiamento Estudantil (FIES), Escolas Técnicas, compra de alimentos, entre outros. Mas as pessoas, ao assimilarem todas essas conquistas, acham que está tudo garantido mas não está. E não obrigatoriamente reconhecem que aquilo é decorrente de políticas públicas. Temos que priorizar o embate-político ideológico. Nós descuidamos”.

“O governo Michel Temer já é visto até certo ponto, independente do resultado dessa votação, como um governo que não reúne nenhuma legitimidade”

NB- A Operação Lava-Jato, além de condenar integrantes do PT, atingiu um patamar em que as denúncias atingiram até mesmo membros do próprio governo Temer, incluindo o próprio presidente. Vê-se, no entanto, mudanças na estrutura da operação, com limitação de orçamento e mudanças na força-tarefa.

AC- Primeiro que, a investigação sobre a corrupção, ganhou notoriedade com a Lava-Jato Mas isso já existe há tempos no Brasil há tempos e, na minha opinião precisa continuar existindo. A Lava-Jato começa a mostrar debilidade por dois motivos: primeiro os exageros. O abuso de autoridade e erros na condução, a percepção de que não há imparcialidade por parte da operação. Mas há situações mal conduzidas na opinião de muita gente, inclusive de articulistas famosos, contrários ao PT. A segunda, o (Romero) Jucá-então ministro-chefe da Casa Civil do governo Michel Temer-  não deixou dúvidas naquela gravação que dizia “temos que derrubar a Dilma, parar essa coisa de Lava-Jato, de Supremo”…

NB-…a famosa frase “estancar a sangria”…

AC-… exato. Acho que isso está em curso nesse momento. Então a Lava-Jato, que atacou tanto o PT, o governo Dilma e o Lula, começa a “sentir saudade”, porque trabalharam livremente enquanto estávamos livremente no governo.

NB- O presidente da Câmara, Marco Maia, prevê que em 2 de agosto possa apreciar e colocar em votação a permissibilidade para que o Supremo Tribunal Federal analise e julgue a denúncia de corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. O governo diz que tem os 280 votos necessários para barrar a denúncia. Como a oposição se articula para superar esse cenário e, independente do resultado, como o governo Temer passa a ser visto a partir deste julgamento pela Câmara?

AC- O governo Michel Temer já é visto até certo ponto, independente do resultado dessa votação, como um governo que não reúne nenhuma legitimidade. Para o azar dele, o presidente não foi apenas denunciado, mas flagrado; assim como o Aécio (Neves) foi. Há gravadas situações indefensáveis. Para piorar, um assessor do Temer filmado com uma mala com R$ 500 mil. É o horror dos horrores. A votação vai depender muito de manifestações de rua. Me surpreende até certo ponto que todos os que bateram panelas não se incomodam com a corrupção do Temer. Lembra aquela história do famoso “Somos Todos Cunha”. Andam calados e, portanto, dão sustentação a um governo completamente enredado. Basta lembrar os ministros que já caíram e outros que estão em uma situação em que precisam dar explicação. Enfim, dão sustentação a um governo que o grosso da população já não respeita mais. Na continuidade do governo, se ele não for afastado pelo Supremo, terá um enfraquecimento crescente, porque soma-se a esses episódios gravíssimos de flagras em corrupção, as reformas que está fazendo. A economia não está crescendo e quando comemoram que a inflação está caindo, é porque há recessão. Ouvi uma frase que diz “é a mesma coisa que acabou com a dor de dente porque não há mais dente na boca”. Na hora em que se provoca brutal recessão, e comemorar o fim da inflação, é porque não há mais nenhum dente na boca.

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