O Transtorno de Déficit de Atenção, a Escola e os Remédios

A doença existe. Mas será que ela é o maior problema no aprendizado?

Por Sérgio Viana

Estudos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) demonstram um alto crescimento no número de diagnósticos de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e, logo, do uso de medicamentos em fase escolar.

A média mundial de diagnósticos, segundo a Organização Mundial da Saúde, é de 8%, porém, no Brasil o índice registrado pela Anvisa é de quase 27%, em 2011, enquanto na França o índice é de 0,5% . Já o consumo de remédios com metilfenidato, como a Ritalina e Concerta, de 2009 a 2011, cresceu 75% entre crianças de 6 aos 16 anos de idade, o que coloca o país em 2° lugar como consumidor dos medicamentos – atrás dos EUA.

Para alguns médicos esse tipo de aumento de diagnósticos é devido ao maior conhecimento sobre o transtorno. A doença foi catalogada e teve seus primeiros casos em crianças registrados em 1900, segundo a neuropediatra e professora da Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp, Dra. Niura Padula. “O diagnóstico é muito atual, além disso, várias causas e outros distúrbios podem caracterizar o mesmo comportamento que o TDAH. Crianças são naturalmente agitadas, o exame fica mais simples apenas a partir dos 7 ou 8 anos”, afirma.

Para ela a melhor maneira de se chegar a um diagnóstico preciso é através de diversos exames, que englobam uma série de especialistas, como neuropsicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais – uma realidade que talvez cubra apenas poucos consultórios ou instituições de saúde. Somente após uma bateria de análises, a indicação do medicamento poderia ser feita e o paciente também teria que ter um acompanhamento psicoterapêutico. Segundo a neuropediatra, o transtorno no Brasil ainda pode ser subdiagnosticado e medicado.

Na contra mão dessa última opinião, Vera Ravagnani, psicopedagoga botucatuense e pesquisadora na área de infância, cultura e educação, considera que o país passa por um “processo de superdiagnóstico”. “Muitas vezes o transtorno é diagnosticado sem referências interdisciplinares e sem levar em conta outros aspectos da vida da criança”, argumenta a Vera.

A psicopedagoga ainda ressalta que, pela sua experiência com crianças com TDAH, o uso de medicamentos surte pouco efeito sobre a capacidade de aprendizado. Ações complementares ao tratamento farmacêutico seriam a arte-terapia, práticas esportivas, dietas e mudanças de rotina tanto na escola, quanto na vida diária da criança.

Remédio ou Reforma Pedagógica?

“Há pedagogias que não levam em consideração as necessidades físicas e emocionais de alunos, a possível desestrutura familiar, traumas, fatores que podem interferir na qualidade do aprendizado do individuo”, considera Ravagnani. Para ela os modelos pedagógicos ainda seguem padrões tradicionais, como trabalhos longos e repetitivos, salas de aula fechadas e uma hierarquia rígida. Enquanto a comunicação, o trabalho, a interação e as relações sociais da geração atual já seriam muito mais “dinâmicas e flexíveis”.

“A Ritalina atua na área frontal do cérebro controlando alguns neurotransmissores. Ela dá mais foco e atenção ao paciente em suas atividades”, explica Niura Padula. Num viés mais social, o uso de drogas, como a Ritalina, conhecida como “droga da obediência” poderia ajudar a esconder as falhas do sistema pedagógico adotado pelas escolas. O problema deixaria de ser da instituição Escola e passaria a ser do individuo, da criança.

Para o antropólogo e professor da Unesp/Bauru, Claúdio Bertolli, que desenvolve estudos sobre a representação social da medicina, mais fácil do que o sistema educacional e a família se questionarem, sobre o que poderia ser feito para melhorar a questão do aprendizado infantil, é partir para a via medicinal. “Tudo na educação estaria mais ou menos em ordem e se o estudante não se empenha no estudo, o problema é ele e não a escola, a sociedade e a família. Assim, a lógica é impor medicamentos ao jovem para que ele ‘entre na ordem’”.

Medicina e a “medicalização do social”

O antropólogo acredita que vivemos num tempo onde acreditamos que todo o problema humano, seja biológico ou social, poderia ser resolvido pela classe médica. “Há o conceito de “balas mágicas”, remédios específicos para todos os desarranjos humanos. A medicina passou a ser orientada pela imposição de remédios. Existiria remédio para tudo, inclusive para o déficit de atenção com hiperatividade”, pontua.

Esse tipo de atitude seria um dos desencadeadores, em muitos debates, do desentendimento entre os médicos e outros profissionais da saúde, como psicólogos, ou ainda, entre a própria classe, ao confrontar médicos homeopatas e alopatas (que seguem tratamentos via fármacos tradicionais).

Um ponto a ser observado, segundo o antropólogo, é a formação médica também. Uma vez que atualmente os futuros profissionais seriam formados mais para conhecer a doença que irão tratar, do que os pacientes que delas sofrem. “Sua missão é diagnosticar a doença e ministrar um medicamento. Nós aceitamos essa atuação médica e assim somos normatizados pela medicina”, conclui Bertolli.

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