O que está em jogo é o futuro do Brasil. Dita assim, de modo abrupto, tal afirmação pode soar fatalista. Poderíamos elencar aqui diversas preocupações diante da possibilidade de uma retomada conservadora e antipopular no Poder Executivo do país. No Legislativo, teremos, a partir de 2015, o Congresso mais conservador desde 1964, segundo dados do Diap. Porém, em circunstâncias embaladas por certa irracionalidade como nestes insanos dias de luta, é prudente economizarmos os embates mais figadais. É salutar se despir da arrogância, da prepotência e da indiferença de aspecto blasé. Não sejamos cínicos. Tanto no diagnóstico do “grande monstro a se criar”, quanto nos ajustes ocasionais da realpolitik. Em decorrência desse clima meio melancólico e, sobretudo, pela convicção de tomada de consciência, listo a seguir razões pelas quais votarei na reeleição da presidenta Dilma Rousseff.
Voto em Dilma pela manutenção e ampliação de políticas públicas para os que mais necessitam. Saber enxergar além dos muros farpados é mais do que uma pauta asseada. Pela consolidação de direitos para quem nunca, nunca antes na história deste país, tinha se percebido como ser humano. Cá entre nós, não deixa de ser revolucionário o fato de o Brasil ter saído do “mapa da fome da ONU”.
É essencial reelegermos Dilma para que as conquistas do povo e da sociedade brasileira, fundamentalmente a dos últimos 12 anos, sejam percebidas em seu componente de ruptura. Houve várias, meus amigos. Várias. Marco Civil da Internet, proteção e direitos trabalhistas para as empregadas domésticas, Ciências sem Fronteiras, Comissão Nacional da Verdade etc, etc. É preciso entender o novo papel do Brasil, interna e externamente. Os fantasmas do mau agouro e do complexo de inferioridade estão por aí a nos atormentar. Mas é instigante, apesar disso, vislumbrar uma destreza mais soberana de futuro. O Brasil não aceitará retrocesso, arrochos, flexibilização de direitos, repressão a movimentos sociais, intolerâncias encampadas pelo Estado.
Voto em Dilma pela continuidade da política externa altiva, contra-hegemônica. Pelo diálogo mais aprofundado com novos atores globais. Pela pertinência do pacto cultural latino-americano, em suas dinâmicas afetivas, artísticas e tecnológicas. O voto em Dilma, na eventual e torta agenda política brasileira desde junho de 2013, é o sufrágio contra o ódio, contra a difamação escamoteada, contras as fobias, contra a histeria da “crise sem fim” criada e sustentada, diuturnamente, por parcelas corruptas dos meios de comunicação. Crise há, sem dúvida. E são outras. O gigante não pode “acordar” apenas para atiçar sentimentos obtusos e hidrófobos.
Votar em Dilma é se atentar ao aprimoramento de nosso regime democrático ainda muito frágil. Necessitamos de uma reforma política condizente com as potencialidades de participação de amplos setores de nossa sociedade, principalmente os localizados à margem do processo de desenvolvimento capitalista. Dilma é de longe a candidata mais comprometida com tais necessidades.
É preciso equilíbrio e discernimento social para enfrentar as pressões que virão. Nesse sentido, a vitória Dilma poderá (deverá!) trazer pautas progressivas para o centro do debate. Governar não é fácil. Conceder, recuar se tornam verbos usuais. Mesmo com tantas contradições, Dilma representa a percepção do novo, em confronto com o velho trajado de “mudança”.
Voto em Dilma pelas enormes oportunidades criadas em todo o país. Pela expansão de outras tantas oportunidades. Para que possamos visualizar vidas mais dignas. Que o consumo se aprume de encanto e potência cultural. Que a cultura seja integral na sua significação de fabrico. O trabalho e a cultura em harmonia. É importante frisar as muitas transformações sociais, o incremento da infraestrutura em regiões desprovidas, por décadas e séculos, de qualquer presença do Estado, a não ser a violência policial.
Há muitas transformações em curso. Desde políticas de Direitos Humanos até as definições estratégicas do nosso papel criativo, empreendedor (não tem a nada a ver com a ideia do self made man), intelectual. É nesse filão que eu acredito. A grande mudança está aí. O contrário, me parece, é traquejo de slogan oportunista.
Voto em Dilma pelo aumento da renda, pela valorização real do salário mínimo, pelo nível histórico de geração de empregos (vivi os anos de precarização e desemprego recorde; é quase “surreal” viver neste Brasil transformado), pelo acesso de tantos jovens oriundos da escola pública ao ensino universitário, pelo incremento de um projeto de maior autoestima, menos entreguista. Pelas políticas afirmativas.
Por todas as vitórias, simbólicas e reais, voto Dilma. Sou um cidadão e trabalhador brasileiro. Tenho compreensão do chão que pisei e piso. E reitero: não podemos esquecer os tempos de aviltamento de nossa identidade. De nossa autoconsciência, como insinuava Darcy Ribeiro. Não podemos crer no esfacelamento de tantas melhorias. Eleger Dilma é a garantia de poder, inclusive, criticá-la, cobrá-la. O Brasil não merece testar os ganhos e apostar no difuso anseio da austeridade do “choque de gestão” com todos os seus itens de perversidade. Pela afirmação dos avanços e contra o modelo econômico e político constrangedor que quebrou o país muitas vezes, eu voto Dilma.
*Cláudio Coração é botucatuense e, atualmente, leciona sobre Comunicação Social na Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais.