Há mais de dez anos as mulheres passaram a configurar maioria do eleitorado
por Carolina Peters*
Há 83 anos, em 24 de fevereiro de 1932, após intensa campanha nacional, as mulheres brasileiras conquistaram o direito a votar e serem votadas. Verdade seja dita, parte das brasileiras: aquelas que contavam com a conivência do marido para votar, as viúvas e as solteiras que comprovassem renda própria mínima.
A extensão do direito a todas as mulheres se deu dois anos depois, em 1934, porém seu exercício manteve-se facultativo até 1946. Aliás, quando dizemos “todas”, queremos dizer todas dentre a reduzida parcela letrada da população. Analfabetas e analfabetos somente conquistaram o direito ao voto em 1985 através de emenda constitucional, posteriormente assegurado pela constituição de 1988.
Há mais de dez anos as mulheres passaram a configurar maioria do eleitorado. É uma mulher quem ocupa hoje o posto mais alto da República, a presidência. Porém, entre esses dados e a ocupação real dos espaços políticos pelas mulheres brasileiras, em pé de igualdade com os homens, há um abismo gigantesco.
Alguns dispositivos foram desenvolvidos para buscar superar a sub-representação política das mulheres, como a lei 9.504/1997, que prevê reserva mínima de 30% das vagas para mulheres nas chapas proporcionais. Nas eleições de 2014, primeiras nas quais as cotas foram cumpridas, registrou-se um aumento tímido da bancada feminina na Câmara, passando de 45 para 51 deputadas federais, o que nos eleva ao modesto patamar de 10% desta casa.
A presença pontual de mulheres em altos cargos nem de longe caracteriza o acesso sistemático das mulheres aos espaços de poder. Sobretudo quando as ocupantes de tal cargo não se comprometem com a defesa da autonomia e liberdade das mulheres, promovendo cortes orçamentários em áreas sociais, travando pautas históricas do movimento feminista, como a legalização do aborto e demais direitos sexuais e reprodutivos.
O que buscamos não é um símbolo para dizer que podemos eventualmente chegar lá, mas romper com a condição de opressão. Como pensar em aumentar a representação institucional das mulheres brasileiras sem promover mudanças profundas no nosso sistema político? Como chegar à paridade sem privilegiar o voto ideológico, em lista, com alternância de gênero? Ou sem impedir que interesses de grupos econômicos (inclusive aqueles que se escondem sob a fé), através do financiamento privado de campanha, dominem o cenário político?
Para além dos cargos eletivos e da política institucional, assegurar o direito à livre manifestação é imprescindível. As mulheres, que fomos maioria nas ruas durante as grandes manifestações de junho de 2013, se tornaram visível minoria no ano seguinte, quando os atos contra as arbitrariedades da Fifa e gastos com a Copa foram duramente reprimidas em todo o país. Os diversos relatos de abordagem policial machista e a ofensiva contra os manifestantes afastam das ruas principalmente aquelas que não são socializadas ao longo da vida para os espaços públicos.
Mas não vão nos deter. Nossa luta coletiva por espaço político, por voz, por ocupar cargos públicos, direções de partidos, sindicatos, movimentos, continua todos os dias.
* Carolina Peters é feminista e militante do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade).
** A fotografia de capa ilustrativa da matéria se refere à médica Carlota Pereira de Queiroz foi a primeira deputada federal da história do Brasil, eleita pelo Estado de São Paulo em 1934.