Infelizmente, o que realmente anima as competições esportivas no mundo inteiro, com honrosas exceções, é o espírito financeiro
por Sérgio Mauro*
Faltando pouco mais de duas semanas para o início dos Jogos Olímpicos no Rio, mais do que nunca vale perguntar: é conveniente insistir na realização das Olímpiadas no Rio, no atual momento que o Brasil e o mundo atravessam?
O espírito grego que animava os Jogos Olímpicos estava associado à paz, assegurada durante os jogos, ainda que momentânea. No caso dos séculos XX e XXI, mais de uma vez assistimos a episódios de violência ou de intolerância durante as competições. Bastaria lembrar a punição sofrida em 1968, no México, por alguns atletas americanos que ousaram fazer a saudação dos panteras negras ao receberem as medalhas, o tristemente famoso episódio que envolveu a delegação de Israel, vítima de terrorismo, em 1972, na Alemanha, e o boicote americano aos jogos de Moscou, em 1980. Não me parecem, portanto, exemplos de trégua perfeita.
Infelizmente, o que realmente anima as competições esportivas no mundo inteiro, com honrosas exceções, cada vez mais raras, é o espírito financeiro, anos-luz distante do grego. Não será diferente no caso das nossas Olimpíadas, pois os negócios já foram contratados, os comerciantes, sobretudo os do ramo da hotelaria e os ligados ao turismo, já contam com lucros certos e, enfim, a Olimpíada precisa ser posta em prática!
Motivos associados a um mínimo de sensatez para cancelar os jogos no Rio não faltam, pois há um grande risco de ataques terroristas, tendo em vista os recentes eventos na França e as supostas ameaças feitas por grupelhos de radicais islâmicos. Além do mais, a nossa combalida economia não parece dar sinais de retomada, apesar da recente sinalização positiva (ou menos negativa) do FMI, não permitindo, portanto, “aventuras” que tanto podem levar a (parcos) lucros como, mais provavelmente, a lucros localizados, apenas para os diretamente envolvidos com o setor turístico, que não se estendem ao resto da população.
Além do mais, os jogos não contarão com os atletas da Rússia, herdeira da potência esportiva da ex-União Soviética, o que pode conferir certa palidez ao evento. Na verdade, os atletas russos foram punidos por doping generalizado, mas o fato pode ser interpretado como uma espécie de boicote, só que de natureza não estritamente política.
Enfim, outro aspecto deve ser levado em consideração: para a alta cúpula do esporte brasileiro, a ocasião dos jogos pode parecer propícia a uma espécie de “revanche” ou resgate do futebol nacional, que sofreu tantos reveses nas últimas competições internacionais relevantes. De fato, o Brasil poderá contar com Neymar, o que de per si não constitui garantia de sucesso, como podem atestar fracassos recentes. E se não der certo, isto é, se o Brasil não conseguir, mais uma vez, a tão desejada medalha de ouro no futebol? A decepção será certamente imensa, para um país que vem colecionando posições de peso nos rankings internacionais dos aspectos negativos da sociedade contemporânea, como violência e corrupção.
Por motivos políticos e, sobretudo, por interesses comerciais, não há disposição nem coragem no atual governo transitório para simplesmente cancelar de uma hora para outra o evento, até porque poderia parecer um ato de retaliação ou de puro revanchismo com o governo anterior. Por este motivo, não acredito que se possa reverter o atual quadro e mandar às favas os famigerados jogos. No entanto, há um aspecto positivo nesta questão: com as Olimpíadas, a imagem do Brasil lá fora, tão “down” no atual momento, talvez possa adquirir um mínimo de dignidade, fazendo esquecer um pouco os monumentais escândalos de corrupção. Isto, é claro, se tudo correr às mil maravilhas. Como o sucesso geral depende em grande parte da segurança dos atletas, dos espectadores e de quem quer que prestigie o acontecimento, resta saber se as forças policiais mostrarão uma competência inédita, muito diferente do que se verifica no quotidiano das grandes cidades brasileiras. Enfim, só nos resta esperar e assistir, de preferência diante da telinha, confortavelmente instalados em uma poltrona, com um bom copo de vinho e uma dose infinita de paciência!
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.