Entrevista: Pesquisadora de projeto africano que levou o Prêmio Mundial da Alimentação 2016 em Botucatu

XI Workshop sobre Tecnologias em Agroindústrias de Tuberosas Tropicais, foi promovido pelo Centro de Raízes e Amidos Tropicais da Unesp

Pesquisado de África, Maria Isabel Andrade, prof. Pablo Vargas da Unesp, Larissa Vendrame e José Luiz Viana, da Embrapa, em debate - Foto Sérgio Viana
Pesquisado de África, Maria Isabel Andrade, prof. Pablo Vargas da Unesp, Larissa Vendrame e José Luiz Viana, da Embrapa, em debate – Foto Sérgio Viana

por Sérgio Viana – Rede SSAN-Unasul

No dia 22 de setembro, diversos especialistas divididos entre as culturas de batata-doce e mandioca se apresentaram e debateram, no Auditório da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA/Unesp) de Botucatu, sobre biofortificação, seleção de variedades, atualidades e inovações ligadas à produção e bioenergia, no XI Workshop sobre Tecnologias em Agroindústrias de Tuberosas Tropicais, promovido pelo Centro de Raízes e Amidos Tropicais (CERAT).

O XI Workshop teve a participação dos próprios pesquisadores do CERAT e também de outras instituições, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaria (Embrapa), o Intituto Agronômico do Paraná (IAPAR) e da Universidade de Campinas (Unicamp).

O evento contou com o apoio da Rede de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional das Nações da América do Sul (Rede SSAN-Unasul), que colaborou com a vinda da pesquisadora africana Maria Isabel Andrade, natural de Cabo-Verde e radicada em Moçambique, onde desenvolve há cerca de 20 anos um trabalho de melhoramento, enriquecimento nutricional, educação e alimentação através da Batata Doce de Poupa Alaranjada (BDPA).
Vítima de diversos casos de subnutrição e cegueira, principalmente em crianças, por insuficiência de vitamina A, a população moçambicana, que considerava a batata-doce um alimento marginalizado, ‘comida de pobre’ como explica Maria Isabel, passou a ter acesso a uma nova variedade, com mecanismos de capacitação e instrução a respeito das possibilidades de uso e importância nutricional, logo, adotando o novo alimento em sua cultura.

O trabalho desenvolvido por Andrade, ao lado de seus colegas pesquisadores Robert Mwanga e Jan Low, foi reconhecido neste ano ao serem agraciados com o Prêmio Mundial da Alimentação – The World Food Prize 2016 -, considerado na área alimentar como uma espécie de Prêmio Nobel do setor, ou seja, um grande reconhecimento.

Confira o vídeo da entrevista da Rede SANS, na íntegra, e leia trechos da conversa com a premiada pesquisadora Maria Isabel Andrade (Prêmio Mundial da Alimentação 2016).

Em 1996, quando eu cheguei para trabalhar em Moçambique, a taxa de deficiência da Vitamina A era muito alta e naquele momento a Unicef financiou a suplementação com cápsulas de vitamina para as crianças. Mas Moçambique é um país muito grande, com vias de acesso difíceis, nem toda a criança conseguia ter essa suplementação”.

“Com minha experiência de doutorado nos Estados Unidos da América, onde estudei muito os carotenoides totais, junto á Dra. Jan Low, pensamos em uma forma de suprir a deficiência de vitamina A de uma forma mais sustentável, através da Batata-Doce de Polpa Alaranjada (BDPA). Em Moçambique ainda não havia tal variedade no país, porém os produtores e agricultores, em sua maioria mulheres, já sabiam cultivar a batata-doce normal, portanto apenas iríamos introduzir no sistema uma batata de outra cor”.

“Quando terminamos a nossa avaliação e liberação da BDPA, nós pensamos que se chegássemos com as ramas às mulheres, sem nenhum treinamento agrícola ou nutricional, essas variedades não teriam o impacto que tem hoje. Começamos a diversificar os produtos processados da batata-doce e criar uma campanha com a cor laranja, que é o símbolo da vitamina A, as mulheres começaram a usar saias da cor alaranjada, usamos o slogan “O Doce que dá Saúde”, pois todos sabem que a maioria dos doces não dá saúde, mas esta Batata-Doce, sim”.

“Também passamos a dar aula de educação nutricional e ensinamos as mulheres a preparar vários pratos com essa variedade, como plantar, cuidar e utilizar as folhas para enriquecer a dieta”.

“Muito trabalho de sensibilidade e promoção. Hoje, a Batata-doce de polpa alaranjada, que era considerada uma comida de pobre, é tida pelo governo de Moçambique como uma das culturas prioritárias para o desenvolvimento do país. Está incluindo no plano do governo para investimento na agricultura”.

“Uma mulher com a capacitação educacional que oferecemos na área da nutrição, pode oferecer muito mais. Por exemplo, ela agora sabe de que tem que dar à criança várias refeições por dia e a quantidade que pode administrar, suficiente para a criança não ficar mal-nutrida. Isso vai se perpetuando de gerações em gerações”.

“Hoje em dia há muita informação, há muita sensibilidade em Moçambique, reconhecimento do governo. A nutrição, atualmente, é um tópico muito importante no continente africano. Há cerca de 58 milhões de crianças africanas mal-nutridas. Hoje é reconhecido que uma pessoa deve comer uma boa comida, com os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento. O nosso trabalho começou em Moçambique, mas neste momento temos programas em 14 países africanos e impacto no continente asiático”.

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