O fato é que as diversas mídias transmitem em tempo real ações e reações da sociedade
por Oscar D’Ambrosio*
O sucesso da música “Caneta Azul”, do maranhense Manuel Gomes, que, desde 18 de outubro/2019, teve mais de 8 milhões de visualizações no YouTube é indagadora. O refrão “Caneta azul/ Azul caneta/ Caneta azul/ Está marcada com a minha letra” ganhou o país. Aparentemente do nada, o vídeo surge em nossos ouvidos e mentes.
Atinge nossos corações? Provavelmente não, mas uma das principais fascinações do mundo em que vivemos é a efemeridade. Imagens e pessoas alcançam rápido êxito, que é logo esquecido. Assim, ações perdem o sentido e a vida passa sem que existam memórias mais consolidadas.
Nesse aspecto, sorrir ou chorar parecem ser aspectos de uma mesma caminhada volátil. A letra “Todo dia eu viajo para o colégio/ Com uma caneta azul e uma caneta amarela/ Eu perdi minha caneta/ E peço, por favor, para quem encontrou me entrega ela” pouca densidade tem. E é isso mesmo. Mas talvez a questão talvez esteja aí. Boa parte da nossa sociedade não está preocupada com essa densidade.
Apenas deseja viver. Para quem busca uma teorização de tudo isso, é impossível não lembrar da frase de Karl Marx “Tudo que é sólido desmancha no ar”, utilizada como título de livro pelo sociólogo Zygmunt Bauman, em obra que conceitua a “sociedade líquida”, caracterizada pela inconsistência de tudo perante diversos fatores associados à aceleração do cotidiano.
O fato é que as diversas mídias transmitem em tempo real ações e reações da sociedade, a tecnologia permite diálogos globais cada vez mais ágeis e as fronteiras globais se reduzem a cada instante. Diante disso, Bauman defende a metáfora de que a vida contemporânea funciona como um líquido que assume a forma do recipiente que o abriga.
“Caneta azul” permanecerá em nossa mente por breve tempo. E atualmente não é necessário mais do que isso. É engraçada, ingênua e viralizou pelas redes sociais. E isso basta. Procurar estofo em sua letra ou em seu sucesso é a atitude do século XIX. As coisas hoje simplesmente acontecem. E precisa mais do que isso? Talvez não. É para se pensar…
Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.