OPINIÃO | Não apenas Lula, mas também Eduardo Azeredo, Zé Dirceu, Vaccari e outros nove condenados por corrupção
São necessárias outras ações urgentes como o fim do foro privilegiado
Por Giovanni Mockus
O Brasil todo assistiu nos últimos dias, como se fosse final da Copa do Mundo, as sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgaram a legalidade das prisões em segunda instância. O placar foi apertado, 6 a 5, mas o suficiente para alterar o entendimento da corte e proibir que as sentenças condenatórias continuassem a ser executadas provisoriamente depois da segunda instância sem superar a deliberação de todos os recursos possíveis.
Pressuposto para essa discussão: temos que respeitar e acatar a decisão do STF. Isso é básico em qualquer democracia. Podemos discordar, argumentar e defender o contrário, mas precisamos respeitar. Eu, pessoalmente, defendo outra posição já há algum tempo. Defendo a possibilidade de prisão em segunda instância como uma ferramenta efetiva de combate à corrupção, como ficou demonstrado nos últimos anos.
Primeiro, que o princípio da presunção de inocência, cláusula pétrea da Constituição Federal permanece resguardada. No nosso processo legal, cabe a acusação apresentar as provas para condenação e, mesmo após a decisão em primeiro grau, o réu pode recorrer em liberdade pela reforma da decisão em segunda instância. Segundo, que é justamente e apenas a segunda instância que pode alterar o mérito de um processo. Tanto os recursos feitos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto ao próprio Supremo Tribunal Federal apenas tratam sobre matéria de direito, de forma processual. E terceiro, que no decorrer dos últimos 30 anos passados da promulgação da Constituição Federal de 1988, as instituições do judiciário se fortaleceram, a jurisprudência da presunção de inocência foi consolidada e a possibilidade de perseguição muito presente nos anos anteriores deixou de existir.
Isso não significa que o judiciário brasileiro não tenha problemas e que não precisamos enfrentá-los. A falta de celeridade, por exemplo, é um dos motivos que leva a impunidade. Quem tem dinheiro, ou seja, os políticos, ricos e poderosos, conseguem arrastar por décadas seus processos nas mais altas cortes e assim fugir do cumprimento das sentenças. Quem não tem acesso a tão bons recursos, em geral não passam mesmo da segunda instância. Por isso a mudança de entendimento do próprio STF em 2016 foi tão importante para operações como a Lava-Jato e o combate à crimes de colarinho branco. Nunca se prendeu tanta gente poderosa – e culpada – no Brasil que outrora jamais acertariam seus débitos para com a justiça.
Para além das questões constitucionais, não se pode negar que esse debate também é contaminado por casos práticos. O mais notório, do ex-presidente Lula que cumpria sentença condenatória por corrupção. Após a mudança de entendimento do STF, Lula foi solto depois de 580 dias preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
Sua liberdade momentânea não significa que ele tenha sido inocentado, muito menos que tenha deixado de ser um condenado pela justiça em órgão colegiado. Lula sofreu um processo, foi condenado monocraticamente em primeira instância, condenado colegiadamente em segunda instância e alguns recursos em terceira instância já foram superados. Todos por sua condenação. A única coisa que separa Lula do cumprimento em definitivo de sua sentença são os recursos extraordinários. Portanto, pode se afirmar que, em seu caso, não se faz mais presente a presunção de inocência. Lula cometeu crimes e foi condenado por isso. Simples e claro.
Quem se beneficia com a prisão apenas superados todos os recursos possíveis não é apenas Lula, mas também Eduardo Azeredo (condenado no mensalão tucano), Zé Dirceu e Vacari Neto (condenados no mensalão e petrolão). Assim como eles, outros nove condenados pela Lava-Jato e outros 5 mil que estão presos por condenação em segunda instância ficam livres provisoriamente, mas, insisto, nenhum deixa de ser condenado.
Insisto também, a possibilidade de prisão em segunda instância não fere o princípio de presunção de inocência e nem fragiliza a segurança de um processo justo. Ela constitui um importante instrumento que fortalece o combate à corrupção e garante que aqueles que cometeram crimes contra o povo, por mais que sejam ricos e poderosos, paguem seus débitos para com a justiça e a sociedade. Da forma como está hoje, o combate à corrupção infelizmente fica bastante fragilizado.
Em resposta, o Congresso Nacional já marcou sessões para pautar uma mudança constitucional e no Código de Processo Penal para afirmar expressamente a possibilidade da prisão em segunda instância. Não se trata de retirada de direitos, se trata apenas por consolidar o marco temporal para o início do cumprimento de sentença condenatória superada a segunda instância processual.
Claro que a prisão em segunda instância por si só não vai salvar o combate à corrupção ou resolver os problemas do judiciário. São necessárias outras ações urgentes como o fim do foro privilegiado e uma reforma estrutural do próprio sistema judiciário, dando assim mais celeridade, clareza e eficiência para que a justiça, de fato, seja feita no Brasil e todos, de fato, sejam considerados iguais perante a lei. Que o Congresso Nacional, democraticamente, possa avançar nesse sentido.
Giovanni Mockus é assessor legislativo na Câmara dos Deputados, Coordenador Nacional de Formação Política da REDE Sustentabilidade, Porta-Voz Estadual da REDE SP, líder RAPS e líder público da Fundação Lemann.
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