A Pedagogia da Economia e a Economia de Francisco: uma conversão em curso!

Economia é Política. Isso fica claro pela afirmação de Dowbor e sua obra

por Diogo Lopes

Seguindo a série de artigos sobre o tema a Economia de Francisco, fizemos dois posts introdutórios, e que, caso você não tenha lido, recomendo! Através deles, poderemos fazer nexo com este, que é sua continuidade.

O Papa Francisco em sua encíclica, 2015, fala da necessidade de uma conversão ecológica:

[152] a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior. Entretanto temos de reconhecer também que alguns cristãos, até comprometidos e piedosos, com o pretexto do realismo pragmático frequentemente se burlam das preocupações pelo meio ambiente. Outros são passivos, não se decidem a mudar os seus hábitos e tornam-se incoerentes. Falta-lhes, pois, uma conversão ecológica , que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa.

Para mim, fica claro o propósito central da “Laudato si: Louvado seja! – Cuidados com nossa Casa Comum”. É um convite para cultivarmos a ciência do amor que existe no vínculo entre criador e sua criação. Somente podemos cultivar algo se nos vinculamos. Eu posso cultivar uma horta sem estar nessa horta diariamente?

Me parece maravilhoso o convite do Papa Francisco:  tornar-nos um guardião da criação e suas entidades viventes. Devotar-se a essa relação de maneira consciente através da entrega e de um chamado interior, de um processo de busca. A criação é uma extensão do criador. Proteger a criação é uma forma de cultivar e louvar o criador.

Agora, fica evidente que para que esses propósitos possam manifestar-se é preciso uma “Conversão Ecológica”. Converter nesse contexto a uma “organização de recursos de nossa casa” é para mim antes de tudo, um convite a ordenar e controlar nossos sentidos.

A Natureza como um todo obedece uma hierarquia, tem regras e padrões. No caso da vida Humana, consumir por exemplo num modelo de escala industrial está provocando alterações no clima por conta do aumento de diversos desequilíbrios, como por exemplo o desmatamento.

Desta forma, uma simples análise de causa sobre como ordenar nosso paladar, como foi o meu caso ao deixar de consumir Carne, já é uma conversão ecológica. O pensamento de compreender que somos parte da Natureza e que ela é um organismo vivo, onde somos parte, também é uma forma de conversão. Para converter-nos em um devoto da Natureza precisamos reconectar-nos a ela, voltar as nossas origens e compreender além de sua função, sua posição hierárquica sobre nós. Nas visões de mundo ancestrais, no caso do Povo Kogui localizados na Serra Nevada da Colômbia, um indivíduo que prejudica a Terra é visto pela Natureza como uma praga. Já um que cuida, como filho. A pergunta aqui é: queremos ser uma praga ou um filho da Mãe Terra? Vale reforçar o que escrevemos no artigo passado, que essa conversão ecológica depende de um chamado interior. 

[152] a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior….

O chamado que o Papa Francisco nos faz, quer seja na sua encíclica, ou no evento, Economia de Francisco depende exclusivamente de uma disponibilidade de entrega, ou seja, de nossa rendição ao propósito central e ampliado da Laudato si: uma real e sincera conversão ecológica. Veja os dados abaixo:

   “ O mundo que enfrentamos se caracteriza por crescente e dramática desigualdade com 1% detendo mais riqueza do que os 99% seguintes, e 26 famílias com mais do que a metade mais pobre da população, 3,8 bilhões de pessoas”

Está claro que algo tem que mudar. A Economia não está cumprindo seu papel de distribuir recursos como vimos nos primeiros artigos. Agora, pragmaticamente o que existe atualmente no campo das ciências econômicas que refletem esse pensamento introduzido até o momento?

   Quero introduzir a obra do Economista Ladislau Dowbor como referência no campo da ciências econômicas atuais conscientes a realidade aqui apresentada e relacionada com a Economia de Francisco.  

Em sua obra “A era do capital improdutivo”, Dowbor alerta:
“Estamos destruindo o meio ambiente, a base natural sobre a qual a humanidade está condenada a sobreviver, esgotando os recursos, contaminando as águas, gerando caos climático, numa corrida desenfreada de produção e consumismo absurdo. Ao mesmo tempo, criou-se um precipício de desigualdades que só pode levar ao caos político, o que por sua vez trava as dinâmicas econômicas. Somos sistemicamente disfuncionais.”

“Somos sistemicamente disfuncionais”. 

Essa frase é muito impactante. Quer dizer que estamos existindo sem propósito, ou, que nossos propósitos não apresenta em funções essenciais. Dowbor critica o sistema financeiro baseado na especulação, no juros e no mercado financeiro: 

“O caráter parasitário do sistema financeiro tem como único contrapeso possível a capacidade pública de controle e regulação, tanto limitando os juros como orientando o capital para investimentos produtivos e cobrando impostos sobre patrimônio financeiro improdutivo. A captura do poder político pelos gigantes financeiros, que se evidenciou em particular com a crise de 2008, e com as impressionantes transferências de recursos públicos para grupos privados, torna hoje a capacidade de regulação do estado particularmente precária. É a dimensão política da deformação econômica.“

“É a dimensão política da deformação econômica” 

Economia é Política. Isso fica claro pela afirmação de Dowbor e sua obra. E nesse momento algo importante se revela nessa busca: A Pedagogia da Economia:

“Buscamos uma economia que seja a serviço do bem comum, o que implica que seja economicamente viável, mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável. Este triplo objetivo define um novo equilíbrio e uma outra forma de organização. O desafio não é o de falta de recursos. No mundo se produz anualmente 80 trilhões de bens e serviços por ano, o que, razoavelmente distribuído, assegura 3500 dólares por mês por família de quatro pessoas. O Brasil está precisamente nesta média mundial. Nosso problema não é de capacidade de produção, e sim de saber o que produzimos, para quem, e com que impactos ambientais. O grande desafio é o da governança do sistema.”

Enumero para reforçar e gravar em nossa memória visual o triplo objetivo para um novo equilíbrio e uma nova forma de organização segundo Dowbor.

  1. Economicamente Viável
  2. Socialmente Justo
  3. Ambientalmente Sustentável

Gostaria de acrescentar o quarto: “Identidade”. É muito necessário para a Economia considerar o aspecto Cultural. Se considerarmos o principal desafio: “ O grande desafio é o da governança do sistema.” apontado por Dowbor, precisamos considerar que o aspecto Cultural, vinculado com a Identidade e por conseguinte com “localidades – territórios” é essencial para promover essa construção de sistemas de governança. 

Isso confirma-se na citação de Dowbor abaixo:

“Assim, o desafio está no próprio processo decisório, em como definimos, regulamos e orientamos o uso dos nossos recursos. A economia tem de voltar a servir o bem comum. No seminário que nos propomos realizar, não se trata de elencar as nossas desgraças, mas de nos concentrarmos nos desafios organizacionais, de governança, que permitam resgatar os rumos, de parar de destruir o planeta em proveito de uma minoria que acumula capitais improdutivos.”

Os pontos essenciais a discutir, segundo Dowbor seriam os seguintes:

  1. Democracia econômica: trata-se de resgatar a governança corporativa, sistemas transparentes de informação, e de gerar maior equilíbrio entre o Estado, as corporações e as organizações da sociedade civil. Não haverá democracia política sem democracia econômica.

  2. Democracia participativa: os processos decisórios sobre como definimos as nossas opções, como priorizamos o uso dos nossos recursos, não podem depender apenas de um voto a cada dois ou a cada quatro anos. Com sistemas adequados de informação, gestão descentralizada e ampla participação da sociedade civil organizada precisamos alcançar um outro nível de racionalidade na organização econômica e social. As novas tecnologias abrem imensos potenciais que se trata de explorar.

  3. Taxação dos fluxos financeiros: essencial para assegurar a informação sobre os capitais especulativos, e para que os recursos financeiros sirvam para financiar tanto a redução da desigualdade como para estimular processos produtivos sustentáveis. Na realidade os sistemas tributários no seu conjunto devem servir ao maior equilíbrio distributivo e à produtividade maior dos recursos.

  4. Renda básica universal: no quadro de uma visão geral de que algumas coisas não podem faltar a ninguém, uma forma simples e direta, em particular com as técnicas modernas de transferência, é assegurar um mínimo para cada família. Não se trata de custos, pois a dinamização do consumo simples na base da sociedade dinamiza a economia.

  5. Políticas sociais de acesso universal, público e gratuito: o acesso à saúde, educação, cultura, segurança, habitação e outros itens básicos de sobrevivência devem fazer parte das prioridades absolutas. Não se trata de custos, e sim de investimentos nas pessoas, que dinamizam a produtividade e liberam recursos das famílias para outras formas de consumo.

  6. Desenvolvimento local integrado: somos populações hoje essencialmente urbanizadas, e o essencial das políticas que asseguram o bem-estar da comunidade e o manejo sustentável dos recursos naturais deve ter raízes em cada município, construindo assim o equilíbrio econômico, social e ambiental na própria base da sociedade.

  7. Sistemas financeiros como serviço público: o dinheiro que manejam os sistemas financeiros tem origem nas nossas poupanças e impostos, constituem recursos do público, e neste sentido devem responder às necessidades do desenvolvimento sustentável. Bancos públicos, bancos comunitários, cooperativas de crédito e outras soluções, como moedas virtuais diversificadas, são essenciais para que as nossas opções tenham os recursos correspondentes.

  8. Economia do conhecimento: o conhecimento hoje constitui o principal fator de produção. Sendo imaterial, e indefinidamente reproduzível, podemos gerar uma sociedade não só devidamente informada, mas com acesso universal e gratuito aos avanços tecnológicos mais avançados. Temos de rever o conjunto das políticas de patentes, copyrights, royalties de diversos tipos que travam desnecessariamente o acesso aos avanços. O conhecimento é um fator de produção cujo uso, contrariamente aos bens materiais, não reduz o estoque.

  9. Democratização dos meios de comunicação: os recentes avanços do populismo de direita e a erosão dos processos democráticos mostram a que ponto o oligopólio dos meios de comunicação gera deformações insustentáveis, climas de acerbamento de divisões e aprofundamento de ódios e preconceitos. Uma sociedade informada é absolutamente essencial para o próprio funcionamento de uma economia a serviço do bem comum.

  10. Pedagogia da economia: a economia consiste essencialmente em regras do jogo pactuadas pela sociedade ou impostas por grupos de interesse. A democracia econômica depende vitalmente da compreensão generalizada dos mecanismos e das regras. Os currículos obscuros e falsamente científicos têm de ser substituídos por ferramentas de análise do mundo econômico real, de maneira a formar gestores competentes de uma economia voltada para o bem comum.

É aqui que a Economia de Francisco se conecta com a Pedagogia da Economia de Lesdilau Dowbor. 

Os dez pontos essenciais a se discutir, convergem com o propósito do Papa Francisco:

“É por isso que eu gostaria de encontrá-lo em Assis: para que possamos promover juntos, através de uma “aliançacomum, um processo de mudança global. Aquele em que não apenas os fiéis, mas todos os homens e mulheres de boa vontade, além das diferenças de credo e nacionalidade, possam participar, inspirados por um ideal de fraternidade atenta sobretudo aos pobres e excluídos. Convido cada um de vocês a trabalhar para esse convênio, comprometendo-se individualmente e em grupos a cultivar juntos o sonho de um novo humanismo que atenda às expectativas de homens e mulheres e ao plano de Deus.”

Convido você a aprofundar-se no tema através de um curso online e gratuito sobre a PEDAGOGIA DA ECONOMIA: Educando para o mundo real
https://midianinja.org/news/entenda-economia-de-forma-simples-com-o-metodo-freiriano/

São muitos desafios certo? Pois no próximo artigo, mais deles serão citados! Não desanime, pois precisamos acreditar que é possível transacionar de paradigmas ultrapassados para evolutivos. Tem muita coisa boa emergindo e o fato de você estar aqui lendo, me dá esperanças de que sim podemos juntos parir “mundo novo” que quer nascer.

Fontes:

Ladislau Dowbor, Economia de Francisco: por uma economia a serviço do bem comum

https://ecofranbr.org/ladislau-dowbor-economia-de-francisco-por-uma-economia-a-servico-do-bem-comum-23-8-2019/

PEDAGOGIA DA ECONOMIA: educando para o mundo real
https://midianinja.org/news/entenda-economia-de-forma-simples-com-o-metodo-freiriano/

A era do capital improdutivo – Ladislau Dowbor http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2012/06/a_era_do_capital_improdutivo_2_impress%C3%A3oV2.pdf

O que são os ODS, da ONU, e como o Brasil projeta o desenvolvimento sustentável?

http://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,o-que-sao-os-ods-da-onu-e-como-o-brasil-projeta-o-desenvolvimento-sustentavel,70001947817

Mudanças climáticas: pela primeira vez na história, Antártica registra temperatura acima dos 20ºC
https://www.euqueroinvestir.com/mudancas-climaticas-pela-primeira-vez-na-historia-antartica-registra-temperatura-acima-dos-20oc/

Observatório do Clima
http://www.observatoriodoclima.eco.br/

Brasil já sente impactos das Mudanças Climáticas

https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2020/02/brasil-ja-sente-impactos-das-mudancas-climaticas-e-situacao-pode-se-agravar

Carta da Terra
http://www.humanosdireitos.org/atividades/campanhas/467-Leonardo-Boff–Carta-da-Terra.htm

Site oficial do Evento:
https://francescoeconomy.org/

Carta Papa Francisco para Evento Economia de Francisco:
http://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2019/05/11/0399/00815.html#ing

Encíclica do Papa Francisco em Portugues
https://www.puc-campinas.edu.br/wp-content/uploads/2016/03/NFC-Carta-Enciclica-laudato-si.pdf

Série em Áudio e em Português da Encíclica Laudato Si:
https://redamazonica.org/pt-br/laudato-cuidado-nossa-casa-comum/

Diogo de Castro Lopes é botucatuense, empreendedor, e participará do evento A Economia de Francisco, em março de 2020- diogo@nascentes.org.br