A chegada da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito

Causa estranheza a necessidade de uma legislação com a finalidade de proteger o Estado Democrático de Direito

Por Giovanni Mockus*

As recentes aplicações da Lei de Segurança Nacional (Lei Federal nº 7.170/83) para coibir manifestações contrárias ao Presidente Jair Bolsonaro, promovendo a prisão de seus opositores, desencadearam defesas, desde a esquerda até a direita, pela necessidade de uma legislação que protegesse o Estado Democrático de Direito.

Certamente causa estranheza a necessidade de uma legislação com a finalidade de proteger o Estado Democrático de Direito. Ora, se o Estado é soberano, embasado em uma Constituição e detentor do uso legítimo da força, por que haveria a necessidade de uma lei de Defesa do Estado Democrático de Direito? Enquanto a Lei de Segurança Nacional (LSN), editada pela Ditadura Militar, tinha o objetivo de proteger um Estado sob um regime autoritário, a proposta de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito tem o objetivo de proteger tanto as instituições republicanas, quanto o regime democrático e também os direitos preconizados pela Constituição Federal de 1988.

O uso equivocado da LSN para perseguir opositores do Governo Bolsonaro espelha o passado sombrio da ditadura militar, que não deve ser saudado, tão pouco repetido. Com o objetivo de coibir uma escalada autoritária ao passado recente, partidos políticos questionaram no Supremo Tribunal Federal (STF) o uso bolsonarista da LSN. O STF, responsável pelo controle constitucional, sinalizou que, ou o legislativo atualiza a lei à luz da Constituição Federal, ou a Corte dará nova interpretação à LSN. A partir disso, a Câmara dos Deputados iniciou um debate sobre a revogação da Lei de Segurança Nacional e criação da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.

*Giovanni Mockus é porta-voz (presidente) da REDE Sustentabilidade no Estado de São Paulo

Na noite de ontem a nova legislação foi aprovada pela Câmara dos Deputados, praticamente por unanimidade, ressalvadas as manifestações contrárias do PSL e do PSOL, e muitos questionamentos do partido Novo, que tentou, por diversas vezes, descaracterizar o texto. A proposta teve como base o Projeto de Lei nº 2.462/1991, de autoria do então deputado Helio Bicudo, com substitutivo da relatora, deputada Margarete Coelho (PP/PI).

O projeto aprovado leva para o Código Penal a tipificação de crimes contra o Estado Democrático de Direito, os direitos que dele emanam através da Constituição, e os representantes eleitos pelo povo. Passam a ser tipificados, dentre outros, os crimes de atentado à soberania e à integridade nacional, bem como o golpe de estado, interrupção do processo eleitoral, comunicação enganosa em massa, violência política e atentado ao direito de manifestação. Importante ressaltar que essas tipificações trazem uma qualificação necessária para a sua aplicação: o dolo na destituição da ordem constitucional democrática. Isto, para evitar eventual extrapolação da interpretação do texto legal, preservando, assim, os direitos políticos e de manifestações sociais. Ou seja, é preciso ficar comprovado a intenção manifesta de ataque à ordem constitucional, republicana e democrática – como o Presidente Bolsonaro e seus apoiadores cotidianamente fazem, a exemplo do deputado-presidiário Daniel Silveira (PSL/RJ), que incitou ataques contra o STF e seus ministros.

Propostas de lei desse tipo foram apresentadas ao longo dos anos por PT e PSDB. Historicamente, essa é uma discussão que não tem partido e não tem campo ideológico e deve permanecer assim.

A deputada Margarete Coelho (PP/PI), relatora da proposta, construiu um texto pautado pelo diálogo. No último mês realizou reuniões com os diversos partidos políticos, movimentos sociais e de representações da sociedade. Avançamos por doze diferentes versões, em um constante aperfeiçoamento a partir das diversas sugestões, opiniões e perspectivas. O texto final levado ao Plenário e aprovado ontem não era o ideal para nenhum indivíduo ou grupo específico a quem se perguntasse, mas foi o melhor texto resultado dessa construção coletiva em defesa do Brasil. E é assim que acontece na democracia.

Havia um temor justificado de alguns parlamentares e da sociedade civil em avançar nessa discussão sob uma correlação de forças em que o Centrão faz o papel de fiel da balança e segue pendendo ao governo Bolsonaro. A velocidade com que esse debate ocorreu também foi motivo de receios. Contudo, a urgência do assunto precede as preocupações, seja pela natureza da matéria, seja pela abertura de diálogo com a qual a relatora se pautou.

Dentro da democracia, é legítimo a apresentação de ideias, mesmo que contrárias e cabe ao parlamento discuti-las em busca do melhor caminho para o Brasil. O que não se pode é negar o diálogo e rejeitar uma proposta apenas pela sua origem ou por eventual receio de perder a disputa ou a narrativa pública. A famosa prática da “oposição por oposição ou situação por situação” já não cabe na nova lógica de fazer a boa política, muito menos em uma discussão tão séria como essa sobre a defesa do Estado Democrático de Direito.

É hipócrita – e temerário ao processo democrático – bradar nas redes sociais contra a polarização e a falta de diálogo, e se recusar, no dia a dia, a dialogar democraticamente.

Vimos, nos Estados Unidos, o risco de ruptura institucional, patrocinado por um presidente com ímpetos autoritários e que usou o Estado para justamente atacar o Estado Democrático de Direito. Não podemos admitir esse risco no Brasil! Direita, esquerda, centro, progressistas sustentabilistas, outros campos ideológicos e a sociedade em geral precisam se unir em torno dessa discussão e dessa lógica de fazer a boa política. É pela defesa da nossa democracia e pela defesa do Brasil. A bola agora está com o Senado Federal!

*Giovanni Mockus é porta-voz (presidente) da REDE Sustentabilidade no Estado de São Paulo.

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