Médica de Botucatu lança 1º livro do mundo sobre oncologia sem pressa
Obra ganha importância porque é apontada como o 1º livro a tratar da slow medicine no Brasil
Da Redação
A médica oncologista Ana Coradazzi é daquelas pessoas que usa das ferramentas que dispõe na tentativa de aliviar o sofrimento do outro e fazer do mundo um lugar melhor. As mesmas mãos que cuidam de pacientes com câncer se colocam a serviço de um talento raro no trato com as palavras e transformam a chefe da equipe de Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/UNESP) em uma escritora de sucesso.
Coradazzi acaba de lançar seu quinto livro. Segundo ela, o mais complexo e desafiador em sua trajetória literária. “De Mãos Dadas – O olhar da slow medicine para o paciente oncológico” é fruto de um certo inconformismo, combinado com boas doses de provocação. Ao contrário das obras anteriores quando buscava compartilhar experiências, aprendizados e o conhecimento acumulado no atendimento a pacientes oncológicos, desta vez sua intenção é mostrar que existe uma nova alternativa, mais sóbria e respeitosa, onde o paciente está no centro e não a doença.
“A oncologia, do jeito que é feita hoje, não cabe mais, no meu ponto de vista. Só que a alternativaa ela não é acessada porque sempre somos treinados do mesmo jeito. Queria ter um material onde as pessoas pudessem enxergar algo diferente dessa oncologia acelerada e dura. Isso me motivou a escrever. Foi o livro mais trabalhoso e difícil, sem dúvida alguma”, declarou a autora durante a live de apresentação da obra.
Lançado pela Editora MG Editores, “De Mãos Dadas” é um livro desafiador. Ao mesmo tempo que compreende os avanços tecnológicos no diagnóstico e tratamento do câncer, reconhece as perdas que tivemos no caminho, como a fragilidade das relações entre médicos e pacientes, a perda da autonomia destes e de seus familiares durante o processo da doença e os malefícios que o excesso de tecnologia pode causar no cenário oncológico.
Partindo da teoria e da prática da slow medicine – abordagem clínica que procura resgatar a dignidade do paciente por meio de conceitos como tempo, individualização, autonomia, qualidade de vida, segurança em primeiro lugar e uso parcimonioso da tecnologia – a obra propõe caminhos para uma medicina mais sóbria na área da oncologia. Além disso, os relatos de casos emocionantes e humanos, marca registrada da Drª Ana Coradazzi, impactam positivamente tanto os profissionais da saúde como aqueles que são cuidados por eles.
Ineditismo
A obra ganha mais importância porque é apontada como o primeiro livro a tratar da slow medicine no Brasil e o primeiro do mundo a discorrer sobre a slow oncology (oncologia sem pressa). Drª Ana Coradazzi teve como inspiração o livro “My Mother, Your Mother”, do médico geriatra Dennis McCullough, que aborda os princípios slow no envelhecimento.
“Do mesmo jeito que a gente lida mal com o envelhecimento, somos agressivos com os nossos idosos no sentido de tratamento, de tecnologia pesada, de não investir no relacionamento com eles, eu via que é isso que também acontece nos casos de câncer, em especial os mais avançados. Comecei a escrever o livro há quatro anos, mas posso dizer que ele deslanchou nos últimos oito meses quando uma grande amiga ficou doente. Durante nosso convívio eu a vi encarando a doença da maneira que eu acho que as pessoas podem encarar. Esse livro é dedicado a ela”, revela a médica.
A pedido da editora, que via no horizonte dificuldades para sua comercialização, a autora aceitou trocar o nome do livro que originalmente seria batizado de “Meu Câncer, Seu Câncer”. “Concordei porque Slow Medicine se faz de mãos dadas, no sentido de estabelecer relações de parceria, entre a família, o paciente, os profissionais de saúde. Construir uma rede de apoio. A ideia do livro é colocar estações para que as pessoas tentem entender onde elas estão naquela bagunça que é a vivência do câncer e o que elas podem esperar daquilo. A gente consegue lidar melhor com as situações quando sabe o que esperar delas. Nós oncologistas somos muito ruins em explicar para o paciente o que está por vir. Isso vai desde a necessidade de um acompanhante para levar o paciente para casa depois de uma sessão de quimioterapia até a fase final de vida”, explica.
Novo olhar
O livro enfatiza princípios que norteiam a slow medicine como valorização da comunicação, respeito ao paciente, compreensão das perspectivas e prioridade ao conforto, tirando o foco da doença para promover uma medicina centrada no paciente. Além disso destaca a importância do uso moderado da tecnologia e os ganhos que podem ser alcançados à medida que as decisões das equipes de saúde passam a ser mais compartilhadas com os pacientes.
“A ideia básica da oncologia sem pressa é o paciente no centro e não a doença. Quando o paciente tem informação, conhecimento, vai exigir um pouco mais dos médicos e a gente começa a ter uma medicina mais compartilhada, mais sóbria, respeitosa. Sem nos deixar atropelar pela medicina cheia de protocolos, de medicamentos novíssimos que saíram ontem e aumentam o tempo de vida do paciente em duas semanas. Temos que optar por aquilo que é justo, adequado e benéfico, sob o ponto de vista do paciente. Uma construção conjunta para compartilhar decisões”.
Coradazzi pede que as pessoas leiam o livro de coração aberto, levando em conta a possibilidade de encarar as dificuldades impostas pelo diagnóstico e tratamento do câncer sob uma nova ótica. “Isso vale não apenas para o câncer mas para a própria vida. Refletir sobre as nossas prioridades. A gente não precisa ter um diagnóstico de câncer para pensar no que a gente faz, repensar as nossas relações. Esse livro pode ajudar nesse olhar mais empático, mais compassivo.
A autora
Ana Coradazzi é médica graduada pela Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, com residência médica em Hematologia & Hemoterapia e, posteriormente, residência médica em Oncologia Clínica. Seu olhar inquieto sobre o sofrimento dos pacientes oncológicos a levou a uma pós-graduação em Cuidados Paliativos no Instituto Pallium, na Argentina, após a qual sua visão sobre a assistência aos pacientes nunca mais foi a mesma. Criou a Unidade de Controle da Dor e Cuidados Paliativos do Hospital Amaral Carvalho, onde permaneceu como coordenadora até outubro de 2015. Atuou como médica do Centro Avançado em Terapias de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, até 2019. Atualmente é responsável pela equipe de Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina da UNESP, em Botucatu.
Começou a escrever sobre as histórias de seus pacientes em seu blog, www.nofinaldocorredor.com, e posteriormente publicou dois livros nos quais fala sobre o aprendizado vivenciado no dia a dia: “No final do corredor” (Manole, 2015) e “O médico e o rio” (MG Editores, 2020). Há cinco anos conheceu o movimento Slow Medicine Brasil e desde então participa ativamente das atividades realizadas pelo grupo. É ainda co-organizadora de “Cuidados paliativos – Diretrizes para melhores práticas” (MG Editores, 2019), e coautora de “Pancadas na cabeça – As dificuldades na formação e na prática da medicina” (MG Editores, 2018).