Procura por vacina da covid caiu, mas maiores de 40 se beneficiaram de quarta dose
No Brasil os esquemas de vacinação foram compostos de diferentes combinações
Da Agência USP
Apesar da corrida por vacinas durante a pandemia, a busca pelas doses de reforço foi menor e houve até mesmo uma estagnação na procura. De acordo com o Painel de Cobertura Vacinal Covid, produzido pelo Ministério da Saúde, apenas 18% da população brasileira tomou a 4ª dose da vacina monovalente e, em São Paulo o número sobe para 23%. Mas, pesquisadores do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) analisaram a eficácia da 4ª dose de vacinas contra covid-19, e demonstraram que ela proporciona proteção contra internação e morte em adultos com mais de 40 anos.
Os pesquisadores ainda investigaram a eficácia das vacinas baseadas em mRNA – que utiliza apenas o código genético do sars-cov-2 para ativar o sistema imunológico, como a da Pfizer – e em adenovírus, que utiliza a estrutura de um adenovírus com uma proteína do sars-cov-2, como a desenvolvida pelas farmacêuticas AstraZeneca e Janssen. E, mesmo que a vacina de mRNA tenha um resultado melhor a curto prazo, após 120 dias, a proteção se iguala.
“Esse resultado é reconfortante no sentido de que mesmo em um esquema heterogêneo, nas doses do esquema básico, nós observamos uma proteção adicional significante”, afirma Felippe Lazar Neto, primeiro autor do artigo e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Respiratórias do Incor – HCFMUSP.
O trabalho foi desenvolvido pelo grupo Vebra Covid-19, em parceria com o Ministério da Saúde, que realiza estudos de efetividade de vacinas no Brasil e internacionalmente. O trabalho contou com informações de mais de 46 milhões de brasileiros vacinados com, pelo menos, a terceira dose de vacina contra o covid-19.
Comparação de desfechos através de bancos de dados
Os pesquisadores utilizaram quatro bancos de dados para analisar e acompanhar os participantes. O primeiro deles é o eSUS, que coleta informações sobre pessoas com suspeita de covid-19. Já o segundo, é o SIVEP-Gripe, que contém informações sobre casos de infecção respiratória aguda grave, assim como internações e óbitos por covid. O terceiro é o banco de dados nacional de vacinação e o quarto é o SIM, sistema de informação de mortalidade.
A forma como a pesquisa foi desenvolvida simulou um ensaio clínico, tipo de estudo em que se compara dois grupos, um que recebeu uma intervenção – como a vacina, ou um medicamento, por exemplo –, e outro que não. Como explica Otavio Ranzani, orientador da pesquisa e professor do Instituto de Saúde Global de Barcelona, “nós não temos como fazer um ensaio clínico hoje em dia, porque a gente assume que todo mundo deve se vacinar”. Por isso, a pesquisa foi realizada através do pareamento e construção das coortes simulando um ensaio clínico, forma descrita como inovadora pelos pesquisadores.
Com as informações dos quatro bancos de dados, foi feito o pareamento entre os indivíduos, que consiste em identificar pessoas semelhantes, mas uma delas tinha tomado a quarta dose da vacina contra covid, enquanto a outra não, com o objetivo de comparar o efeito da vacina. Como critérios, o estudo “levava em consideração, principalmente, idade, sexo, município de residência, dia da vacina, se é um trabalhador de saúde ou não, raça, e tipo de vacinação prévia”, conta Lazar Neto.
Dessa forma, os pesquisadores poderiam acompanhar essas pessoas e analisar os diferentes desfechos aos quais elas seriam submetidas, considerando para a pesquisa, hospitalização até 21 dias depois do diagnóstico, ou morte por covid-19 até 28 dias após o diagnóstico.
Esquema vacinal heterogêneo
No Brasil, assim como em outros países de média e baixa renda, os esquemas de vacinação foram compostos de diferentes combinações entre as vacinas Coronavac, Astrazeneca, Pfizer e Janssen.
Pesquisas anteriores, destaca Ranzani, foram feitas majoritariamente em países de alta renda, em que houve predominância do uso da vacina de mRNA, a da farmacêutica Pfizer. “O cenário é diferente. No Brasil, a gente tem a possibilidade de avaliar outras combinações de vacinas e outros tipos de doses adicionais. Então, [a pesquisa] ajuda muito não só o Brasil, mas também a OMS [Organização Mundial da Saúde], porque o cenário que a gente tem no Brasil reflete os países de baixa e média renda”, explica.
Como afirmam os pesquisadores, existe uma vantagem clara de tomar a quarta dose. Mas a pergunta sobre a eficácia de esquemas vacinais heterogêneos seguia em aberto. Com as descobertas, relata Ranzani, países de baixa e média renda, assim como a OMS, encontram embasamento para orientações e programas nacionais de vacinação.
Além do esquema vacinal heterogêneo, a pesquisa também abrangeu um grupo mais jovem e diverso, em relação aos estudos já feitos sobre eficácia de doses de reforço de vacinas contra covid-19, afirma Lazar Neto. Em países de alta renda, “vacinaram pessoas um pouco mais idosas do que no Brasil, como 60 anos ou mais ou 80 anos ou mais, e pacientes residentes em casas de repouso. Então, a gente esperava efetividade da vacina, mas a gente não tinha um parâmetro muito fácil para comparação direta na literatura”, completa.
Sistemas de vigilância e vacinação no Brasil
Parte essencial para a pesquisa, Lazar Neto e Ranzani destacam o papel dos bancos de informações – eSUS, SIVEP-Gripe, Banco de dados nacional de vacinação e mortalidade. “Nosso estudo mostra que o Brasil tem uma quantidade de dados bastante grande e bem coletada, de alta qualidade”, diz Ranzani.
Lazar Neto ainda lembra que o Brasil é considerado exemplo em termos de vacinação, reafirmando a capacidade de publicação de evidências científicas em relação à covid-19 e os desdobramentos da vacinação do nosso País. Para o pesquisador, o trabalho reforça o papel do Brasil em trazer informações de qualidade neste tema.