Impacto mental da alopecia areata é maior do que a gravidade da doença

Esse tipo de alopecia pode desencadear sentimentos de vergonha

Da Agência Einsten

Embora frequentemente seja associada apenas à aparência, a alopecia areata é uma condição autoimune crônica e inflamatória que vai além da questão estética, atingindo profundamente a saúde mental e a qualidade de vida de quem a desenvolve.

Caracterizada pela perda repentina de cabelo em áreas específicas do corpo, como couro cabeludo, sobrancelhas ou barba, esse tipo de alopecia pode desencadear sentimentos de vergonha, estigma e isolamento social, conforme aponta uma ampla pesquisa realizada no Reino Unido.

Publicado em julho no British Journal of Dermatology, o estudo analisou quase 600 pessoas diagnosticadas com alopecia areata no Reino Unido entre 2021 e 2024. O objetivo era compreender como os próprios pacientes interpretam a doença e de que forma essas percepções se relacionam com sintomas de ansiedade, depressão e impacto social.

Os resultados mostram que mais de 80% dos participantes relataram sintomas de ansiedade ou depressão, enquanto cerca de um terço afirmou ter sua rotina (incluindo trabalho, estudos e vida social) afetada diretamente pela condição. Além disso, 42% disseram sentir dores ou desconfortos físicos associados à doença, e mais da metade relatou vergonha frequente devido à aparência.

Um dos achados que chamou mais atenção foi a constatação de que a forma como os pacientes interpretam sua condição tem mais influência sobre seu bem-estar psicológico do que a própria extensão da perda capilar ou da gravidade clínica do quadro.

“Esse achado mostra que, na alopecia areata, não é apenas a quantidade de cabelo perdida que determina o sofrimento do paciente. O modo como a doença é percebida exerce enorme influência sobre o bem-estar emocional”, analisa a dermatologista e tricologista Bárbara Miguel, do Einstein Hospital Israelita. “Mesmo pequenas áreas de falha podem gerar tanto impacto psicológico quanto casos mais extensos. Isso reforça a necessidade de uma visão biopsicossocial, que considere não só os sinais físicos, mas também o peso emocional e social da doença.”

Perfis distintos

A pesquisa identificou dois perfis psicológicos entre os participantes: o grupo “angustiado”, com maior vulnerabilidade emocional, e o “de enfrentamento”, mais resiliente. Enquanto o primeiro relatou altos níveis de estresse, ansiedade e isolamento, o segundo demonstrou mais resiliência emocional, menor carga de sofrimento e maior capacidade de adaptação.

Essa diferenciação é importante para a condução do tratamento. “Pacientes do perfil ‘angustiado’ costumam ter mais depressão e se sentir sem controle sobre a alopecia, o que piora muito a qualidade de vida. Para ajudar, não basta só o tratamento médico: psicoterapia, grupos de apoio e uma relação de confiança com o dermatologista fazem muita diferença”, afirma Bárbara Miguel.

Na prática clínica, as queixas emocionais associadas à alopecia são uma realidade. “Muitos dizem ter dificuldades no trabalho, nos estudos ou em atividades sociais simples, justamente porque o cabelo tem um peso grande na identidade e autoestima”, relata a médica do Einstein. “É comum observar pessoas que passam a evitar sair de casa, mudam cortes de cabelo para esconder as falhas ou até se isolam socialmente.”

Diversas estratégias podem ser adotadas para lidar com o sofrimento emocional. Entre elas, estão a terapia cognitivo-comportamental, que auxilia na modificação de percepções negativas sobre a doença, e medidas de suporte social, como grupos de apoio e redes de pacientes.

Campanhas de conscientização também são ferramentas importantes para combater o preconceito. “Muita gente nunca ouviu falar da doença e, por falta de informação, acaba fazendo comentários ou julgamentos que só aumentam o sofrimento de quem convive com ela. Essas campanhas ajudam a quebrar estereótipos, mostrar que a alopecia não é contagiosa e que não define o valor ou a capacidade da pessoa”, avalia a dermatologista.

Diagnóstico e causas

A alopecia areata é uma das mais de 100 formas conhecidas de alopecia. A doença atinge pessoas de todas as idades e sexos, podendo surgir em qualquer fase da vida, mas é mais comum antes dos 40 anos. Estima-se que 2% da população mundial tem risco de desenvolver alopecia areata ao longo da vida.

Sua causa ainda não é totalmente compreendida, mas fatores genéticos, imunológicos, emocionais e ambientais parecem estar envolvidos. Situações de estresse intenso, por exemplo, podem atuar como gatilhos para o início ou agravamento dos episódios.

O diagnóstico é clínico e feito por médico dermatologista, com o auxílio de ferramentas como a dermatoscopia ou, em alguns casos, biópsia do couro cabeludo. Ainda não existe cura definitiva, mas há opções de tratamento que variam conforme o grau de severidade e a resposta individual do paciente.

Nos últimos anos, o olhar para a alopecia vem mudando. A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), por exemplo, atualizou recentemente suas diretrizes e passou a incluir a dimensão emocional na definição da gravidade da doença. Antes, a classificação era baseada apenas na extensão da área afetada. “Na prática, muitos dermatologistas já incorporam perguntas sobre impacto psicológico, autoestima e ansiedade nas consultas. A alopecia vai além da parte física”, afirma a especialista.

Essa mudança é importante diante das limitações dos tratamentos farmacológicos. Embora novas terapias estejam surgindo, muitas ainda são inacessíveis. “Apesar do número crescente de estudos e do surgimento de novos tratamentos, ainda temos poucas opções farmacológicas eficazes para a alopecia areata, e as mais recentes costumam ter custo elevado. Por isso, o suporte psicológico e social se torna parte essencial do tratamento”, conclui Bárbara Miguel.

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