O sucesso da reaproximação EUA-Cuba tem muita relação com a liderança exercida pelo Brasil.
por Sonia Alda Mejías
Muitas análises foram publicadas sobre o restabelecimento das relações entre Estado Unidos e Cuba, anunciado em 17/12/2014. Apesar disso, pouco ou nada tem sido falado sobre a importante contribuição da região latino-americana para que tal reaproximação ocorresse. Essa formidável atuação também poderia ser qualificada como histórica, uma vez que a América Latina jamais atuou de forma planejada e sustentável em torno de um objetivo comum. Em outras palavras, um desempenho na condição de ator internacional autônomo, capaz de influenciar em âmbito externo, como no caso da política do EUA para Cuba.
Neste sentido, é necessário ressaltar não somente a ação em si, mas também as consequências para as relações internacionais. Sobre isso, o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, mencionou que sinais de isolamento dos EUA no hemisfério Ocidental motivaram uma mudança da política externa norte-americana. Isto porque, desde 2008, todos os governos latino-americanos, de esquerda ou de direita, além do Canadá, não somente demonstraram rejeição ao isolamento imposto pelos EUA, como também não os convidaram a participar dos novos organismos latino-americanos criados nos últimos anos, enquanto Cuba é Estado membro desde que foram instituídos.
O sucesso da reaproximação EUA-Cuba tem muita relação com a liderança exercida pelo Brasil. Em 2008, a diplomacia brasileira, em uma demonstração de organização e capacidade de comando, reuniu toda a região na Costa de Sauípe (BA) para a Cúpula do Mercosul (Mercado Comum do Sul). Em outra ocasião, promoveu também a Cúpula da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), além da Cúpula da América Latina e Caribe (CALC), a partir da qual foi formalizada, em 2010, a criação da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Na CALC, pela primeira vez, reuniram-se todos os países da região, incluindo Cuba, Canadá e Espanha, menos os EUA.
Durante a CALC os membros demonstraram a vontade de ser uma região autônoma de outras áreas ou países e de ser um ator internacional. As primeiras demonstrações dessa autonomia foram a inclusão de Cuba nas iniciativas latino-americanas e a exigência aos EUA para por fim ao isolamento da ilha caribenha. A reincorporação de Cuba na região foi reafirmada pelas visitas oficiais de diversos presidentes latino-americanos, durante o ano de 2009. Todos os encontros foram precedidos por reuniões entre Luiz Inácio Lula da Silva (então presidente do Brasil) com Fidel e Raúl Castro (Cuba).
A criação da CELAC demonstrou a sustentação das ações e, em 2014, além de membro, Cuba foi a sede da II Cúpula da CELAC, adquirindo, assim, importante protagonismo. Cuba também é um destacado membro da ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas), criada em 2004 e liderada por Hugo Chávez, para quem, Fidel Castro foi um ídolo na realização de seus próprios projetos políticos.
Sem ser membro, Cuba também adquiriu protagonismo na OEA (Organização dos Estados Americanos). Como resultado da ação conjunta dos países e da pressão exercida, em 2009, a OEA falou da história suspensão que manteve Cuba isolada do organismo hemisférico. No entanto, de imediato, Havana deixou claro seu desinteresse em reintegrar-se em uma organização que considera superada por outras instituições regionais, como a CELAC ou a ALBA. Passado o tempo, após a normalização das relações com os EUA, Raúl Castro aceitou o convite realizado pelo presidente do Panamá, Juan Carlos Varela, para assistir à VII Cúpula das Américas, a ocorrer em abril de 2015.
Mediação pela paz – O último passo importante, pelo qual Cuba tornou-se centro regional, foi a eleição de Havana pelo governo colombiano e pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) como sede para as negociações de paz. Neste caso, a mensagem é particularmente importante pelo fato de Colômbia ser considerado, por seus vizinhos, um aliado dos EUA. Até pouco tempo seria impensável que o governo colombiano aceitasse Havana como sede de tal negociação. No entanto, para o país era importante afirmar, que mesmo sendo aliado dos EUA, não compartilhava a política de isolamento de Cuba.
Como os fatos demonstram, não é possível compreender a normalização das relações diplomáticas entre EUA e Cuba sem a pressão exercida pela América Latina de forma planejada. Foi um fato importante, mediante o qual os EUA passaram a contemplar o risco de verem-se isolados na região e, em certa medida, no resto do mundo. O mais importante, agora, é que a própria região tome consciência do sucesso da iniciativa. Até o momento, todos os líderes latino-amerinacos têm expressado satisfação pela proximidade alcançada entre os países, mas nenhum, inclusive o Brasil, manifestou-se sobre o sucesso da contribuição da América Latina para que tal reaproximação ocorre.
A região somente poderá ser um ator se tomar consciência de que pode chegar a sê-lo. Certamente é um projeto complicado, com enormes dificuldades, mas esta ação planejada pode ser um bom começo. No conjunto, a América Latina deveria valorizar a ideia e o Brasil deveria exercer a liderança.
Sobre a autora – Sonia Alda Mejías é pesquisadora principal para a área de América Latina do Instituto Universitário General Gutiérrez Mellado, em Madri, onde também atua como professora do Programa de Pós-Graduação em Paz, Segurança e Defesa. A convite do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, oferecido em conjunto pela Unesp, Unicamp e PUC-SP, esteve no IPPRI_Unesp nos primeiros dias de dezembro de 2014, ocasião em que ministrou a disciplina “Violência na América Latina e Políticas de Segurança”.