Da possibilidade indenização contra provedor de acesso ou aplicação que não guarda ou disponibiliza os registros (logs) de seus usuários

Muitos provedores começaram uma campanha para alardear  de que não possuem mais responsabilidade civil

* por José Milagre

Com o advento da Lei 12.965/2014 muitos provedores começaram uma campanha para alardear  por meio de artigos jurídicos e notas de que não possuem mais responsabilidade civil se não fornecerem dados de conexão ou de acesso a aplicação que identifiquem usuários de seus serviços em casos de golpes, fraudes e crimes. 

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Os provedores de aplicações fundamentam tal assertiva no artigo 17 de Marco Civil, que estabelece que ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei, a opção por não guardar os registros de acesso a aplicações de internet não implica responsabilidade sobre danos decorrentes do uso desses serviços por terceiros. 

Já os provedores de acesso amparam-se no art. 18 que estabelece que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. 

A afirmação dos provedores não resiste a análise. Se observarmos o artigo 17 poderemos verificar que a opção por não guardar registros não fará o provedor responsável pelos danos decorrentes do uso dos serviços por terceiros. Em nenhum momento a Lei estabelece que o Provedor não será responsabilizado pelo ato de não guardar os registros, o que certamente frustará a apuração da autoria de um crime, golpe ou fraude na Internet. 

O mesmo vale para os provedores de acesso, no art. 18. O sentido da lei é esclarecer que provedor não pode responder como se fosse o criminoso. Mas pode sim, responder, pelo ato falho, omissivo e negligente de criar serviços “anônimos”, impossibilitando a identificação de maus usuários. 

Exemplificando, se um usuário utiliza o serviço Youtube para hospedar vídeos de uma menor adolescente, agredindo sua honra, em tese, o Google, adotando as salvaguardas assim que notificado e indisponibilizando o conteúdo, não deverá responder pela difamação e pornografia infantil se não tiver os dados de acesso a aplicação para o dia das postagens ofensivas. Por outro lado, isto não afasta sua responsabilidade civil pelo ato danoso de não registrar informações indispensáveis ao esclarecimento do caso, contrariando inclusive o Art. 15 do Marco Civil da Internet, que prevê a guarda por 6 (seis) meses, no caso de provedor de aplicação. 

Assim, a tentativa de confundir interpretação apregoada pelos provedores não deve prosperar, pois, da própria leitura atenta do art. 17 percebe-se que este ressalva, as “hipóteses previstas em Lei”. O Marco Civil , lei, determina a guarda dos registros de conexão e acesso a aplicação, dando-se o fornecimento das mesmas com ordem judicial. Ademais, o Código Civil está em vigor e estabelece em seu Art. 927 e seguintes que aquele que causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo. 

O mesmo Marco Civil estabelece sansões em seu art. 12 que vão de advertência a multa de até 10% do faturamento econômico do Brasil, para os provedores que não guardarem e disponibilizarem os registros, nos termos da Lei. 

Logo, perfeitamente possível a responsabilização civil e pedido indenizatório, ou mesmo conversão de obrigações de fazer em perdas e danos em face de provedores de serviços ou de conexão que, acionados judicialmente, resistirem ou informarem que não guardam os registros previstos no Marco Civil da Internet. Deste modo, a responsabilização não se dará pela conduta do terceiro que usou os serviços, mas pelos danos causados à vitima, que diante da negligência dos provedores, poderá nunca conhecer o autor das ofensas praticadas na Internet.

* José Milagre é advogado especialista em direito digital e perito em crimes cibernéticos, Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal e Mestrando em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista – UNESP.