A relação do homem com a cidade e a da cidade com o meio ambiente deve ser levada a sério
por Daniel de Carvalho*
Com a invasão das redes sociais e acesso ao mundo sem sairmos de nossas ‘quatro paredes’, hoje passamos por uma crise moral consequente dessa vulgarização pelo excesso de relações. Vemos tudo que nos cerca e, ágeis e práticos, concordamos com tudo que nos afirme, que confirme nosso ponto de vista, massageamos nosso ego e nos destacamos em nosso círculo, mas desta forma refletimos muito pouco além de nossa área de conforto. Neste ambiente carente de diversidade pouco debatemos sobre as opiniões na compreensão altruísta e empática dos universos além de nossos umbigos. Como encontraremos a verdade se só ouvirmos o que queremos?
Um ponto que vem sendo muito destacado e precisamos conversar além dos pré-conceitos é nossa relação com o meio ambiente, seu uso social, nossas praças de vivência coletivas e os hábitos que temos na relação de nossa cidade com o meio ambiente.
As ferramentas para abertura e diálogo dos órgãos públicos com a sociedade já existem, são impulsionadas pelas Audiências Públicas, participação da sociedade nos Conselhos Municipais, relatórios acadêmicos como mestrados e doutorados na UNESP, reflexão e resistência através de Associações e grupos de engajamento, sugestões aos Termos de Referências e muito debate na construção coletiva do Plano Diretor Municipal. Um debate humano com opiniões cidadãs de pessoas engajadas e preocupações diversas. Há várias ferramentas e há várias estudos mas todo histórico das propostas da população estão a um oceano de distância das ações dos representantes eleitos e do poder público, um movimento formal semelhante à lógica das redes sociais e whattsapp onde há o ‘bom dia’ legalmente exigido do poder público, uma conquista da democracia, há o retorno construtivo em ‘bom dia, estou bem, fazendo isso e aquilo, e você?’ da sociedade organizada, mas o diálogo estaciona, aparece ‘entregue e visualizado’, é propagandeado que o ponto de vista foi recebido mas na prática o que há além deste debate são decisões monocráticas à revelia de várias orientações populares e projetos de lei municipal.
A sociedade organizada já vem atuando com esta diversidade e engajando este debate em Botucatu, e o poder público vem investindo e agindo atento às preocupações. Quando o assunto é água, terra, uso social da cidade e ações públicas pelo benefício coletivo, a conversa não vinga, não resulta em uma prática pública espelhada nos debates populares que foram fomentados, mantendo ao fim a decisão nas mãos de poucos e as consequências nas costas de todos resultando na preocupação urgente e constante na gestão sustentável da água.
A relação do homem com a cidade e a da cidade com o meio ambiente deve ser levada a sério para termos soluções efetivas e duradouras, além das propostas emergenciais e pontuais. Já consta das normas públicas o Código de Ética Ambiental, faltando ser regulamentado, temos a ausência do Plano Municipal de Resíduos Sólidos e o Código de Meio Ambiente sancionado em 2015, ainda inaplicado: uma exigência legal que vem sendo ignorada é a Conferência de Meio Ambiente, a principal oportunidade de participativamente trabalharmos as pautas e prioridades do Código.
Nos últimos debates populares, atentos para a estiagem e falta de água do inverno, a principal questão levantada foi: não há oficialmente nenhum órgão responsável pela produção de água ou sua manutenção em nosso solo. Vivemos no cume da Cuesta e sobrevivemos com água da chuva que alimenta nossa terra e sustenta nossos mananciais.
Precisamos garantir a produção desta água na fonte e incentivar nossa Botucatu sustentável, realmente verde, e quando perguntam ‘qual a melhor solução para garantirmos água e usos sustentável do meio ambiente?’, as respostas se centram na criação das Zonas Especial de Proteção Ambiental que seguram a água e causam a chuva nas nossas nascentes, e no Plano Diretor de Drenagem Urbana da Água que incentivaria através de leis municipais o uso consciente dos recursos fluviais contra o hoje subutilizando mineral tão valioso que escoa diretamente para os esgotos e sobrecarregando a vazão em uma Botucatu desenvolvimentista em crescimento com apenas 10% de lotes particulares permeáveis.
A água urbana deve ser tratada como um conjunto de ações sistemáticas tendo em referência as várias alternativas antes de ser tratada com soluções pontuais. Piscinões e barragens podem ser extremamente importantes e estratégicos mas se não houver um planejamento extenso, complementando ações, possivelmente as respostas pontuais serão insuficientes em pouco tempo. Está posto a todos a opção de investimento em obras que são como copos para segurar a água, mas o que todo debate popular da sociedade organizada destaca é A.) quem vai produzir esta água, B.) como a água vai chegar até esse copo e C.) porque o único acesso à essa água, direito de todos, é através do pagamento a empresa de economia mista que tem como sua missão-fim o lucro com este recurso natural?
As ferramentas para o debate e diálogo existem, a conversa foi iniciada e o retorno da população aos questionamentos aconteceu. Neste ponto ou adequamos a orientação pública com o voto em gestores que representem estes objetivos populares ou migramos para uma alternativa onde toda população seja responsável e gestora na construção das ações públicas de nossa cidade. Outra política pública que siga ignorando a população ou excluindo sua opinião na tomada de decisão é retrocesso, e seguiríamos vendo propostas populares sendo ‘entregues e visualizadas’ sem haver o retorno. Isso tem que mudar.
Seguiremos juntos, todos, ninguém fica para trás.
*Daniel de Carvalho é Publicitário e Secretário de Comunicação do PSOL 50 de Botucatu.