Vida de imagens
Nós precisamos cada vez mais e mais ver, mais e mais satisfazer uma ânsia visual
por Nelson Letras*
Quando vemos um doce, nos sentimos fascinados por ele, suas cores fazem nossos olhos

brilharem, seu cheiro parece dar o sabor agradável em nossa boca. A gula fala mais alto que o prazer de saciar uma vontade e, em vez de comprarmos um, compramos três doces logo de uma vez. O primeiro nos traz uma sensação inigualável, o segundo ainda carrega um pouco desse sabor; já, o terceiro não nos dá o mesmo prazer, mas o comemos do mesmo jeito. Não satisfeitos, embora já estejamos com a barriga cheia, vemos um outro doce com outras cores. Somos também fascinados por ele e dominados por aquelas outras cores, outros formatos e odores; pedimos mais três. Com muita dificuldade para engolir o último pedaço do último doce, nosso inconsciente tenta nos avisar que o sabor tão agradável não é mais o mesmo e, por alguns instantes, o que tinha um gosto aprazível parece nos fazer querer vomitar.
Nosso mundo pós-moderno vem enfrentando uma situação semelhante relacionada a imagens. Nós precisamos cada vez mais e mais ver, mais e mais satisfazer uma ânsia visual, entretanto o sabor do doce, a essência representada pela imagem deixa de existir em nossa consciência.
Passamos a nos relacionar com as imagens e deixamos de nos relacionar com o conteúdo que elas nos representam. A internet é a mais importante ferramenta que o homem utiliza para satisfazer seu desejo imagético, mas que tem como consequência a perda do essencial representado pela imagem.
Vídeos, fotos que contenham cenas de sofrimento (como por exemplo, a do menino sírio encontrado morto em uma praia após o naufrágio de barco com refugiados, no ano passado) são divulgados pela internet porque o homem quer não só satisfazer seu ego mostrando para o mundo uma cena que lhe chamou a atenção, como também que ver mais e mais essas imagens. Muitos podem fazer isso também com o objetivo de sensibilizar outras pessoas, todavia a consequência, na maioria das vezes, é uma sensibilização passageira capaz de nos transformar em seres superficiais, que deixam de sentir o real sabor de um doce, ou o amargo de um sofrimento.