Para eu, ou para mim…
Na linguagem cotidiana, fazer a confusão é algo natural, todavia é importante nos policiarmos e tentarmos utilizar as regras da norma culta
por Nelson Letras*
“Para mim ler à noite, preciso usar óculos” – Opa, amigos leitores! Vamos corrigir: não é “para mim”, mas sim “para eu”. Esse tipo de confusão sobre o pronome eu ou o pronome mim já virou até clichê de exemplo pelo qual transgredimos a norma culta e suas regras gramaticais. Mas para aqueles que ainda não sabem do que se trata, vamos à explicação: o pronome mim não pode ser utilizado para conjugar verbos, assim construções como “para mim fazer”, “para mim escrever”, “para mim trabalhar” não estão adequadas; a gramática tradicional exige “para eu fazer”, “para eu escrever”, “para eu trabalhar”.

Mas vamos nos aprofundar um pouco mais no conhecimento linguístico. Os pronomes pessoais do caso reto (eu, tu, ele, nós, vós, eles) exercem a função de sujeito na oração. De forma bem simples, podemos dizer que sujeito consiste na função sintática responsável por conjugar o verbo. E é por esse motivo que utilizamos esses pronomes, quando estamos estudando verbos e suas conjugações (eu falo, tu falas, ele fala, nós falamos, vós falais, eles falam).
Já o pronome mim é do caso oblíquo. Os pronomes do caso oblíquo são os que exercem as demais funções sintáticas. São eles: me, mim, te, ti, se, si, o, a, lhe, nos, vos, os, as, lhes. Por exemplo, eles podem agir como complementos verbais: “traga para mim”. Talvez a confusão sobre o uso do mim conjugando verbos, exista por uma contaminação linguística: uma vez que é comum utilizarmos o mim após a preposição para, acabamos por não substituí-lo pelo pronome eu, quando há um verbo na sequência.
Só que não para por aí não. Existem certas frases que podem nos confundir ainda mais. Refiro-me aos casos em que, embora exista um verbo à frente do pronome, ele não é conjugado por este. Analisemos a oração “para mim, ler à noite é mais agradável, pois há silêncio, e eu já estou livre dos pensamentos que agitaram meu dia”. Observem que o pronome mim não está conjugando o verbo ler, ele está complementando o adjetivo agradável. Podemos mudar a ordem da frase para que fique mais compreensível: “ler à noite é mais agradável para mim”. Neste caso, se utilizarmos o pronome do caso reto eu, estaremos transgredindo a norma culta.
Na linguagem cotidiana, fazer a confusão é algo natural, todavia é importante nos policiarmos e tentarmos utilizar as regras da norma culta. Digo que é importante pelo fato de vivermos em uma sociedade carregada de preconceitos e que se utiliza até mesmo da linguagem para querer demonstrar superioridade. Quantas e quantas vezes não ouvimos coisas do tipo “aprende a falar o português corretamente, depois a gente conversa”. E esta fala não passa de apenas mais um clichê de quem possui um desconhecimento da língua, pois o português correto é formado por muitas linguagens com suas particularidades, e uma delas é a norma culta, a gramática tradicional.