OPINIÃO | E se eu, ele ou qualquer outra pessoa em volta estivéssemos armados?
É um exercício quase que abstrato analisar esses cenários, causas e consequências
por Giovanni Mockus*
A gente nunca imagina que vai ser vítima de uma agressão até ser. Fato! Na última sexta-feira, sexta de carnaval, eu estava no centro de Brasília com a minha namorada. Conversando, esperando a hora de entrar em uma festa, quando um morador de rua se aproximou da gente, visivelmente alterado, tentando nos vender uma bebida. Recusamos e recusamos por toda a sua insistência, até que o rapaz ficou agressivo e partiu para cima da gente. Foi o tempo de nos defender, derrubar o sujeito no chão e sair dali o mais rápido possível. O resultado? Um roxo, quatro pontos no rosto e um carnaval de molho, regado a muita comida e Netflix (não posso dizer que foi de inteiro ruim).
Natural o sentimento de raiva, revolta. Os que me conhecem sabem que tendo a ser calmo, mas o sentimento imediato, na ausência do Estado – e, de fato, o Estado não estava ali, nem mesmo depois de acionarmos a polícia – é puramente a vontade de exercer a justiça com as próprias mãos. Depois de muito gelo, xilocaína e tempo de respirar, vem o pensamento natural que acompanha aqueles que trabalham com gestão pública: “o que aconteceu alí? Porque aquilo aconteceu? O que o Estado poderia ter feito para evitar?”.
Não era para ter acontecido. Em condições ideais de temperatura e pressão, não teria acontecido. Mas há muito tempo o Brasil não vive em condições ideais. Talvez nunca tenha vivido. Infelizmente, episódios como esse vem acontecendo com frequência nas nossas cidades, inclusive na capital federal. Em janeiro deste ano, um estudante da Universidade de Brasília foi esfaqueado e morto na rodoviária de Brasília, por um morador de rua. O rapaz só estava indo para casa, com seus amigos.
É um exercício quase que abstrato analisar esses cenários, causas e consequências. Algumas pessoas dizem que o cidadão era vítima do meio social em que cresceu. Outras dizem que as experiências moldaram o ser. E outras ainda entendem como uma simples fatalidade, pela ausência da polícia. Claro que em casos específicos, com uma boa análise de fatos, pesquisa e muito trabalho consegue-se estipular uma projeção fidedigna das situações, inclusive para evitá-las. Mas, antes que isso vire uma guerra ideológica muitas vezes travada pela direita vs. esquerda nas redes sociais, questiono: não podemos todos estar meio certos e, portanto, meio errados?
Obviamente faltou policiamento no local. Obviamente a crise econômica gerada por uma política equivocada, que resultou em altos índices de desemprego e endividamento, levaram a mais pessoas morando na rua e desesperadas pela sua própria sobrevivência. Obviamente que a ausência de políticas sociais que enxerguem todas as pessoas como cidadãos investidos dos direitos garantidos pelo artigo 5º da Constituição Federal e façam um trabalho de acolhimento, tratamento e reintegração social, leva a permanência dessas pessoas vivendo de forma indigna pelas ruas das nossas cidades. Obviamente que o meio social em que cresceram, as experiências que tiveram e a perspectiva que tem para si também são responsáveis pela forma como agem hoje. Tão responsável quanto, os governos e políticas anteriores que não trataram corretamente desses meios e atores.
Por conta da polarização burra que vivemos hoje, é muito importante ressaltar: dizer que o cidadão é consequência do meio ou popularmente “vítima da sociedade” não significa isentá-lo de suas ações e nem valorizar sua “ressocialização” em detrimento da vítima ou da negligência sobre possíveis futuras vítimas. Continuam sendo cidadãos, condicionados às leis que regem a nossa sociedade. Depois que fomos atacados, acionamos a Polícia Militar e registramos a ocorrência na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Infelizmente o Estado, por meio dessas pontas, não se fez presente nesse caso.
A meu ver, a fatalidade da qual fomos vítimas ocorreu pela ausência de todas essas perspectivas. Não houve uma política de segurança pública eficiente; não houve uma política social eficiente; não houve a presença do Estado no episódio e nem no decorrer da vida daquele cidadão. E, enquanto continuarmos tratando a coisa em caixinhas individuais, olhando para os nossos umbigos e o Estado para gráficos e números, e não de forma transversal e multidisciplinar, combatendo causas e não apenas consequências e entendendo que muitas vezes as causas têm origens diversas, esse tipo de fatalidade continuará acontecendo. Infelizmente o estudante morto em janeiro não teve tanta sorte quanto eu. Em mim ficam apenas o roxo e os quatro pontos no rosto. Já imaginou se ele, eu ou qualquer pessoa em volta estivéssemos armados?
* Giovanni Mockus é graduando em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de Brasília, dirigente nacional da REDE, Líder RAPS e um entusiasta por uma nova forma de se fazer política. Atualmente, Assessor Legislativo na Câmara dos Deputados. facebook.com/giovannimockus
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