ONG Nascentes propõe maiores restrições de uso na Zona Especial de Proteção Ambiental das Águas do Plano Diretor de Botucatu

Para Ong, é o momento de proteger a quantidade e, principalmente, a qualidade da água

Por Vinícius Nunes Alves*

Há alguns meses, devido à demanda por mudanças de uso e ocupação do solo em algumas regiões na cidade dos bons ares, o poder executivo municipal abriu uma Minuta para alterações no Plano Diretor Participativo de Botucatu (Lei Complementar Nº 1224/2017).

Como o próprio nome diz, o Plano Diretor direciona para o quê e onde a cidade vai caminhar e crescer. Aproveitando a oportunidade, a Ong Nascentes (@ong.nascentes) – fundada em 1999 e com larga experiência em projetos socioambientais e conservação de recursos hídricos – elaborou um relatório com propostas de alterações para a Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM) das Águas, da Segurança Alimentar e do Turismo. Das 10 ZEPAM já definidas no Plano Diretor (2017), essa é a única inteiramente localizada em área rural. Embora o relatório de alterações seja encabeçado pela Ong Nascentes, o mesmo vem sendo construído em audiências públicas que contam com autoridades do Conselho Municipal do Meio Ambiente (CONDEMA), assim como por membros da sociedade civil. 

A parte alta do Rio Pardo possui um manancial que se localiza nas cidades de Botucatu e Pardinho. Um manancial superficial é, basicamente, a parte de um rio que é utilizada para consumo humano e desenvolvimento de atividades sociais, o que inclui o abastecimento de cidades.

O manancial do Alto Rio Pardo tem a sua metade dentro de Botucatu e é uma área que merece especial atenção de conservação por sua capacidade de produção de água, até então em níveis de qualidade aceitáveis, para Botucatu inteiro e outras cidades do estado paulista. É o que defendem João Batista Oliveira e Ricardo Greggo, membros da Ong Nascentes. João, conhecido como Tita, é gestor de ambientes naturais, especialista em agricultura biodinâmica e manejo de florestas, além de fundador e atual presidente da Ong. Ricardo é fotógrafo de biomas, publicitário, especialista em comunicação social e responsável pela comunicação da Ong.    

Nesta entrevista, Tita e Ricardo comentam algumas propostas de alterações que a Ong Nascentes está levantando e coordenando para apresentar ao poder legislativo municipal, além de opinarem acerca de outras questões ambientais pertinentes.

Na Introdução do Relatório de alterações da ZEPAM das Águas que a Ong Nascentes elaborou, há a informação de que o Rio Pardo tem um porte e um estado de conservação bem consideráveis para o estado paulista. Podem comentar um pouco sobre isso?

Tita – O Rio Pardo tem quase 250 km de extensão e é muito importante no estado de São Paulo, abrangendo diversos municípios. Além de Botucatu e Pardinho, o Rio Pardo atravessa outras cidades como Águas de Santa Bárbara e Santa Cruz do Rio Pardo, e tem sua foz em Ourinhos. As nascentes mais altas do Rio Pardo estão na cota de 950 m de altitude, situadas no topo das cuestas basálticas e seu curso segue até o Rio Paranapanema na cota de 250 m de altitude. Centenas de milhares de pessoas dependem da água do Rio Pardo. A bacia hidrográfica do Rio Pardo tem como principal curso d´água o Rio Pardo, com uma declividade razoável, isso ajuda a água a escoar com mais velocidade, carreando com isso sedimentos e resíduos que vão acumulando em seu leito, sendo que junto com esses sedimentos, estão resíduos de agrotóxicos.

Esses produtos químicos provenientes dos agrotóxicos não degradam facilmente e se acumulam em toda a bacia. Isso pode contaminar a água utilizada para o abastecimento de cerca de 700 mil pessoas. Ainda não há evidências científicas suficientes para afirmar que a água do Alto Rio Pardo está contaminada, mas o fato dos agrotóxicos serem usados em áreas próximas e sensíveis a ele, coloca o nosso manancial em risco.

Cada tipo de agrotóxico tem uma composição específica, se juntar restos de um agrotóxico com composição X, outro com composição Y e outro com Z, quando reagem no ambiente, criam um produto diferente e inesperado e o impacto desse novo produto no meio ambiente pode ser mais grave do que os produtos isolados, uma sopa concentrada que as pessoas não sabem os efeitos e consequências disso para a saúde. Considerando a importância do manancial do Alto Rio Pardo, estamos defendendo que nessa área haja maiores restrições de uso de agrotóxicos, seguindo o princípio da precaução proposto na Rio 92 – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro.    

Então, uma das principais recomendações que vocês querem incluir na ZEPAM das Águas, da Segurança Alimentar e do Turismo é a redução dos agrotóxicos? 

Ricardo – A redução do agrotóxico é fundamental para garantir a manutenção da qualidade dos mananciais, principalmente do manancial Alto Rio Pardo que tem 100% da sua água captada pela SABESP. Todo consumo de água dos cerca de 150 mil habitantes de Botucatu vem das nascentes que compõem esse manancial.

Criar políticas públicas de redução dos agrotóxicos, pelo menos na área do manancial, é uma ação prudente para evitar problemas no futuro. Mas sabemos que é um trabalho gradual e educativo, temos que mostrar que trabalhar com plantações orgânicas, biodinâmicas e agroecológicas produz tão bem quanto plantações convencionais, mas com a vantagem de não trazer prejuízos para o meio ambiente. 

O manancial do Alto Rio Pardo já está previsto nessa ZEPAM (Zona Especial de Proteção Ambiental) dentro do Plano Diretor de Botucatu (2017). O que a Ong Nascentes e parceiros estão propondo é que esse manancial, sob jurisdição de Botucatu, realmente seja um arco de proteção das águas, sem atividades que comprometam o solo.

Além da redução dos agrotóxicos, como podemos prevenir a perda de qualidade ou até de quantidade da água que é produzida no manancial do Alto Rio Pardo?

Tita Com a prevenção e redução dos agrotóxicos nessa Zona de Proteção Ambiental (ZEPAM das Águas), estamos focando em proteger a qualidade da água. É importante dizer que a Ong Nascentes não está propondo isso só para proteger a água que passa pelo bairro Demétria, mas sim a água que é servida para toda a cidade de Botucatu que vem do manancial do Alto Rio Pardo. Para isso, dentre as alterações que propomos, o uso e ocupação do solo nas áreas da ZEPAM devem ser adequados para que não haja a impermeabilização do solo. A ZEPAM das Águas, da Segurança Alimentar e do Turismo Sustentável, aprovada no Plano Diretor de Botucatu, considera como manancial atual de Botucatu o Alto Rio Pardo.

E como manancial alternativo a bacia do Alto Rio Capivara. O Alto Pardo produz cerca de 620 litros por segundo (l/s) a cada quilômetro quadrado (Km²), desses 620 l/s por km², Botucatu utiliza 570. Ou seja, tem uma reserva de apenas 50 l/s, se acontecer uma estiagem de três meses sem chuva, o Alto Pardo não terá mais água para ser captada pela SABESP na represa de captação 1 da SABESP, elevatório Mandacaru. Abaixo desse pequeno represamento, o rio seca em épocas de estiagem, provocando um grande déficit hídrico. Estamos pedindo primeiro que a qualidade do manancial seja conservada ou até melhorada.

Mas defendemos também que o solo não seja compactado e impermeabilizado na região do manancial do Alto Pardo, pois isso reduziria a produção da água, a qual deve ser pelo menos mantida para abastecer uma cidade inteira como Botucatu e que está crescendo. Vale lembrar que o manancial do Alto Capivara é o alternativo e só será usado se precisar, ou seja, se o manancial principal que é o Alto Pardo não for mais suficiente. Acontece que o manancial do Alto Capivara, que começa nas microbacias hidrográficas do Roseira, Canela e Aracatu, e tem sua foz na represa de Barra Bonita no Tietê, produz apenas 90 l/s a cada Km², ou seja, a sua produção de água corresponde a aproximadamente 15% da produção do Alto Rio Pardo.  

No relatório de propostas da Ong Nascentes, por que vocês destacaram as macrozonas 1, 2 e 4 como áreas de extrema importância para conservação ambiental na ZEPAM das Águas?

Tita – Essa ZEPAM está sendo criada na abrangência das Macrozonas de Atenção Hídrica 1, 2 e 4 dentro das alterações propostas para o Plano Diretor, vindo de encontro a uma grande preocupação com relação à água de Botucatu. Essas macrozonas se ligam e são dispostas em forma de um “arco” de proteção da bacia do Alto Rio Pardo.

No relatório há a menção de uma legislação que proíbe obras com acima de 20% de impermeabilização na área de proteção ambiental (APA) estadual de Botucatu, Tejupá e Corumbataí. Comentem sobre isso e, também, citem um uso e ocupação do solo que consideram sustentável para essa ZEPAM.    

Tita – Segundo o Plano de Manejo da APA Botucatu-Tejupá-Corumbataí, no perímetro de Botucatu, é previsto que caso ocorra empreendimentos imobiliários nesse perímetro, não sejam impermeabilizados mais do que 20% das áreas. Nós não estamos pedindo nem para o Plano Diretor ser mais restritivo do que o Plano de Manejo quanto ao uso do solo, apenas puxamos a mesma restrição para o contexto dos Estudos do Plano de Manejo da APA. Afinal, essa ZEPAM está dentro do perímetro de Botucatu que, por sua vez, está dentro da APA. 

Um exemplo de uso e ocupação do solo sustentável que está em curso dentro da ZEPAM das águas é um projeto de agricultura orgânica que a Ong Giramundo Mutuando tem com o professor pesquisador Lin Chau Ming da FCA/UNESP Botucatu. Esse tipo de produção de alimentos não tem alta rotatividade desgastando o solo, nem drena em excesso a água. Sem contar que a qualidade do alimento que é ofertado garante a segurança alimentar que também é proposta dessa ZEPAM.

No mesmo relatório da Ong Nascentes, vocês defendem que seja garantido o Cadastro Ambiental Rural (CAR) previsto no Código Florestal Brasileiro (Lei Federal Nº 12.651 de 2012). Essa é mais uma redundância que consideram pertinente de ser reforçada?

Ricardo – O CAR já é declarado voluntariamente pelos próprios proprietários de imóveis rurais desde essa versão do Código Florestal. É basicamente um depoimento que os proprietários fazem sobre a Reserva Legal (RL) e as Áreas de Preservação Permanente (APP) que estão dentro das suas áreas particulares e que precisam ser averbadas. Não queremos que os proprietários tornem público os detalhes e particularidades de suas áreas úteis de produção, mas apenas estamos requerendo que os órgãos ambientais responsáveis verifiquem se todos os CAR da bacia do Alto Pardo estão regulamentados. Mais especificamente, estamos exigindo o direito legal de ter acesso às informações sobre as áreas de RL e de APP declaradas dentro da ZEPAM para que a Ong Nascentes e outras pessoas possam oferecer parcerias para recuperar APP e RL que eventualmente estejam degradadas. Essas áreas devem ser conservadas dentro dos imóveis rurais e podem ser matas ciliares que ajudam a proteger o manancial Alto Pardo.

Segundo o ecólogo Fernando Fernandez em seu livro O Poema Imperfeito (2011), uma forma convencional de calcular a economia de um país é computar o valor de mercado de toda a produção do país, ou seja, o custo de todos os serviços que uma nação produz e vende. Um dos problemas que o autor alerta é que a degradação, muitas vezes irreversível, dos recursos naturais do país não aparece no cálculo. Por exemplo, toda a produção agrícola entra no cálculo, mas a perda irreversível de solo destruído por uso excessivo e erosão não; a produção entra, mas a poluição não. Em resumo, o que se produz entra na coluna do positivo e o que se estraga para obter tal produção fica de fora. Considerando isso, repetir o chavão de que o agronegócio convencional é responsável por alavancar a economia brasileira do Brasil é uma falácia?  

 

Tita A questão principal está realmente em aumentar o PIB (produto interno bruto)? Teoricamente, aumentar o PIB ajuda o país a se estabilizar economicamente, mas essa estabilidade do agronegócio convencional traz benefícios para a maior parte da população? Estamos com 33 milhões de brasileiros passando fome em algum nível, enquanto o agronegócio está exportando e bombando. De toda essa produção, pouca coisa vai para a população como um todo. Por exemplo, pouco da soja é consumida aqui como óleo de soja, eucalipto gera papel e celulose, mas vai quase tudo para China, a cana produz biocombustível, mas tem outros biocombustíveis hoje em dia para investir. Toda essa riqueza gerada fica na mão de nem 1% da população, enquanto o prejuízo ambiental é distribuído. Se a gente computar quanto custa um solo vivo, quanto custa uma floresta em pé e quanto custa um manancial conservado, toda a produção de um agronegócio que seja insustentável não paga tudo o que foi perdido.

 

Segundo Carolina Joana da Silva, bióloga, professora e pesquisadora da Universidade Estadual do Mato Grosso (UNEMAT), se o custo da perda de água investido na produção do agronegócio convencional fosse computado, nós não teríamos um produto interno bruno (PIB) com valores altos. Então, nós não temos embutido nessa produção a perda de água por irrigação. Para recuperarmos a mesma quantidade de água que é usada e exportada sem custo para outros países, nós precisamos “plantar água”. Podem comentar sobre isso?

 

Tita – Quanto mais florestas, mais chuvas se formam. A floresta exerce uma troca com o ar, com o solo e com o subsolo. Em épocas de chuva, basicamente, a floresta absorve água e recupera áreas com déficit hídrico no solo e deposita o excesso no subsolo. Mas de um tempo para cá, estamos mudando as estações. Antigamente tínhamos época de chuva e de seca bem definidas aqui no interior de São Paulo, sabíamos que maio, junho, julho e agosto eram mais secos, enquanto setembro até março eram meses mais úmidos. Como diz a música da Elis Regina, “as águas de março fechando o verão”. Março era o último mês com água natural para plantar sem recorrer à irrigação artificial. Em Botucatu, temos áreas naturais em que predomina o bioma Cerrado. Há plantas do Cerrado que possuem raízes com mais de 10 m, então, elas chegam em camadas profundas do solo, onde está o lençol freático. Mesmo na época da seca, as raízes do Cerrado puxam umidade debaixo e vão trazendo essa umidade para superfície, podendo formar até nascentes. Se você protege a mata, você protege a água que protege a fauna e assim por diante. Todos os elementos no ecossistema estão interligados, como diz Fritjof Capra, temos uma teia da vida.

 

Todas as propostas de alterações para a ZEPAM das Águas, da Segurança Alimentar e do Turismo vêm sendo apresentadas e discutidas de forma aberta e participativa, através de audiências públicas junto com o Conselho Municipal do Meio Ambiente (CONDEMA). Vale destacar ainda a reunião extraordinária do CONDEMA que ocorreu no fim de agosto e contou com público recorde de 70 pessoas, entre as quais agricultores convencionais e orgânicos, representantes de Ongs, de empresas e técnicos agrícolas experientes no manejo biodinâmico e agroecológico. Até a última audiência pública, ocorrida no dia 30 de agosto, quantas propostas da Ong Nascentes foram acatadas? Há previsão para as próximas reuniões públicas?

Ricardo– Quase todas as pautas que sugerimos foram acatadas pela Câmara Técnica do COMDEMA para a redação e encaminhadas para a Prefeitura. Isso inclui as Estradas Parque do Cerrado para proteger a flora e a fauna, a Escola Parque do Cerrado como uma instituição de ensino médio técnico para formar profissionais que atuam na recuperação e monitoramento ambiental. Não foi acatada a nossa proposta para proibição da construção de lotes com tamanho mínimo de 5.000 m² na Macrozona de Atenção Hídrica 4. Também não foi dada a devida atenção para a nossa proposta de implementação das políticas públicas para a redução do uso de agrotóxicos nas áreas do manancial Alto Rio Pardo. Nós protocolamos essas propostas não acatadas da Ong Nascentes, juntamente com as justificativas, em forma de processos para análise nos órgãos responsáveis da Prefeitura. Ainda não temos a previsão das próximas reuniões públicas, mas provavelmente as audiências com o poder executivo foram encerradas. Agora teremos mais duas audiências públicas com o poder legislativo, mas as datas ainda serão divulgadas.

Tita – Muita gente abre a torneira, mas não sabe de onde vem a água. Esse momento é importante para uma maior parcela da população botucatuense aproveitar para conhecer o manancial do Alto Rio Pardo que abastece a nossa cidade, participando e opinando nessas audiências públicas. Lembrando que só podemos ter o uso múltiplo da água, se temos água suficiente para um longo prazo, e de todos os usos da água, as prioridades são sedentação e higiene para o ser humano, segundo a Constituição Federal. A Ong Nascentes atua há quase 30 anos para proteger esse manancial. Vamos além da teoria, já coordenamos diversos mutirões de plantio de matas ciliares nesse manancial fazendo parcerias com escolas, universidades e tiro de guerra.

*Vinícius Nunes Alves é Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas – UNESP/IBB.  Mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais – UFU/Inbio. Especialista em Jornalismo Científico – UNICAMP/Labjor. É membro colaborador do Blog Natureza Crítica – divulgação científica em meio ambiente. Professor de Ciências da Prefeitura de Botucatu e Professor Substituto na subárea Filosofia da Ciência da UNESP/IBB.

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